A ausência de jurisprudência clara e consolidada que delimite a responsabilidade dos prestadores de serviços fiduciários de fundos de investimento tem sido um entrave ao desenvolvimento da indústria de fundos estruturados, como os Fundos de Investimento em Participações (FIP), os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e os Fundos de Investimento Imobiliários (FII). Decisão de primeira instância acerca do FIDC Trendbank pode ser um primeiro passo na construção de uma jurisprudência compatível com as características particulares dessa indústria.
Entre os principais prestadores de serviços fiduciários de fundos de investimento estão os administradores, custodiantes e gestores. Em um estudo realizado pelo escritório, notou-se que as decisões judiciais sobre a responsabilidade desses prestadores de serviço são erráticas. Talvez o principal ponto em comum entre elas seja a ausência de compreensão das peculiaridades da atividade fiduciária, em especial das obrigações e responsabilidades estabelecidas pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para cada um desses prestadores de serviço. Essas normas, inclusive, são raramente usadas como fundamento nas sentenças e acórdãos.
Em muitas dessas decisões, equipara-se a prestação de serviços fiduciários à atividade bancária, o que tem como consequência a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme o enunciado nº 297 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com isso, inverte-se o ônus da prova em favor do consumidor (investidor), além de se estabelecer a responsabilidade objetiva e solidária entre os diferentes prestadores de serviços.
O risco decorrente dessa responsabilidade ampla e abrangente é incompatível com a remuneração da prestação de serviços fiduciários, especialmente em produtos mais complexos nos quais é maior a possibilidade de o investidor sofrer perdas. A remuneração dessas atividades, consideradas em conjunto, é geralmente de alguns pontos percentuais ao ano em relação patrimônio do fundo. Desse modo, em caso de perda relevante do valor investido, o prejuízo sofrido pelos cotistas pode ser dezenas de vezes superior à remuneração auferida por tais prestadores de serviços.
Nesse contexto, a decisão envolvendo o FIDC Trendbank, proferida pela 21ª Vara Cível da Comarca de São Paulo[1], é um importante marco. O FIDC Trendbank, representado por seu novo administrador, pleiteia o ressarcimento das perdas relativas a investimento realizado em uma carteira de créditos supostamente inexistentes ou fraudulentos, em face da antiga gestora e dos antigos administradores e custodiantes do fundo. Na decisão, após aprofundada análise da regulamentação da CVM, decidiu-se que a relação entre os investidores e os prestadores de serviço do fundo possui natureza singular que não se confunde com a prestação de serviços bancários. Ademais, pelo investimento ser destinado exclusivamente a investidores qualificados, que teriam conhecimento do mercado e ciência dos riscos envolvidos, entendeu-se não haver hipossuficiência dos investidores. Afastou-se, por esses motivos, a aplicação do CDC. Para fins de apuração da responsabilidade, restringiu-se a avaliar se houve descumprimento culposo ou doloso das obrigações previstas contratualmente e na regulamentação da CVM e se haveria nexo de causalidade entre tal descumprimento e o dano sofrido pelo fundo.
Na decisão, julgou-se improcedente o pleito em relação aos antigos administradores e custodiantes, que demonstraram não ter relação com o dano verificado e/ou ter agido com diligência e cumprido com as obrigações que lhes cabiam à época. Por outro lado, foram determinadas investigações adicionais para se apurar a responsabilidade da antiga gestora pelos atos que resultaram nas perdas verificadas.
A decisão do FIDC Trendbank é isolada e ainda deverá ser submetida ao crivo de instâncias superiores. Ainda assim, deve ser motivo de aplausos. A compreensão da dinâmica do mercado e das diferentes obrigações de cada um dos prestadores de serviços fiduciários, bem como a avaliação criteriosa do cumprimento dessas obrigações, são elementos dessa decisão que, se passarem a ser adotados em outros processos que tratem da responsabilidade de prestadores de serviço fiduciários de fundos de investimento, podem contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento dessa indústria.
[1] Processo nº 1106354-04.2015.8.26.0100