Conforme já apontado em edição anterior deste informativo[1], foi aprovado, em agosto de 2023, no Senado Federal, o PL nº 2.724/2022 (“Marco Legal das Stock Options”)[2], que, em resumo, tem por objetivo estabelecer diretrizes mais claras para os planos de incentivo de longo prazo, especialmente aqueles que utilizam as stock options: contratos por meio dos quais uma empresa outorga a um colaborador o direito de aquisição de participação societária, em data futura e por preço predeterminado.
À época, noticiou-se que a aprovação do Marco Legal das Stock Options poderia garantir mais segurança jurídica às stock options – e, por consequência, às empresas, seus colaboradores, e ao mercado –, uma vez que o mecanismo sempre foi objeto de relevantes divergências a respeito de sua natureza jurídica e, portanto, do tratamento tributário cabível. Para alguns, contratos de opção nesses moldes possuem natureza remuneratória e, portanto, deveriam ser considerados para cálculos de obrigações tributárias, trabalhistas e previdenciárias. Outros defendem a natureza mercantil das stock options e, nessa esteira, argumentam que não elas estariam sujeitas às obrigações comumente atreladas à remuneração stricto sensu, como salário, gorjeta, gratificações legais e comissões (CLT, art. 457).
Embora a Justiça do Trabalho e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) já tenham reconhecido – desde que verificados determinados pressupostos – a natureza mercantil das stock options, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) vinha autuando tanto as pessoas jurídicas quanto as pessoas físicas participantes dos planos de incentivo[3]. Tal postura da RFB reforçava o cenário de insegurança jurídica em relação ao uso das stock options pelas empresas, principalmente no âmbito das startups, que tendem a enxergar os planos de incentivo de longo prazo como meio para reter bons profissionais, dispostos a apostar no sucesso do empreendimento.
Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) deu recentemente passo importante na resolução da questão. No âmbito dos Recursos Especiais nº 2.069.644/SP e 2.074.564/SP, julgados no dia 11 de setembro de 2024, sob o rito de recursos repetitivos, o STJ definiu o Tema Repetitivo n° 1226, por meio do qual buscou “definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (Stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo”.
Em seus votos, o ministro Sérgio Kukina, relator do caso, deu destaque para a origem das stock options no contexto do direito empresarial norte-americano, tendo tal mecanismo sido importado pelas companhias brasileiras. Diante disso, apontou o ministro que os planos de stock option constituem, “simplesmente a oferta de ações a determinadas pessoas (executivos, empregados, prestadores de serviços) sob certas condições e, uma vez exercida, por elas, a opção de compra, tem-se a concretização de nítido negócio de compra e venda de ações, de natureza estritamente mercantil, o qual perfará suporte fático de incidência de imposto de renda de pessoa física quando da posterior venda dessas, se ocorrido ganho de capital” (grifo nosso).
Assim, visando a solucionar discussão que se arrasta há tempos, o STJ firmou a tese em repetitivo: “a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente; b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital”.
Desse modo, do ponto de vista prático, não há que se falar mais na incidência de tributos e obrigações trabalhistas/previdenciárias, sendo cabível somente o pagamento do imposto de renda sobre ganho de capital (se houver), a ser apurado apenas no momento de venda das ações. A decisão do tribunal federal, inclusive, vincula as instâncias inferiores e as decisões no âmbito do CARF.
Assim, diante da morosidade do poder legislativo em legislar sobre a questão, o poder judiciário tomou as rédeas do problema e decidiu, de forma acertada, firmar tese por meio da figura dos temas repetitivos. Nos próprios votos, o Ministro Relator, ao mencionar o Marco Legal das Stock Options, reconheceu que “a intenção do legislador caminha rumo a confirmar as impressões antes registradas acerca da natureza estritamente mercantil do [Stock Option Plans] (…)”. Assim, parece-nos que a decisão trará a segurança jurídica necessária para que as empresas possam ampliar a utilização desse instrumento de incentivo de longo prazo.
[1] Disponível em: https://www.vidigalneto.com.br/artigos/contribuicoes-do-pl-no-2-724-2022-para-a-seguranca-juridica-das-stock-options
[2] Embora tenha sido aprovado na Plenário do Senado Federal, em setembro de 2023 o projeto de lei foi remetido à Câmara dos Deputados para revisão; e, até a data da publicação deste informativo, não houve andamento.
[3] O próprio Ministério Público Federal, ao se manifestar nos processos objeto deste informativo confirmou que “há multiplicidade de processos e a controvérsia é recorrente no Tribunal de origem [TRF3], existindo divergência de entendimentos sobre a matéria no âmbito das Turmas do TRF da 3ª Região, o que ensejou expressivo aumento na interposição de recursos especiais” (fl. 1.159 dos autos do REsp n° 2.069.644/SP); e, ainda, conforme informação prestada pela Fazenda Nacional, constam “no sistema interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mais de 500 processos tratando do assunto e tramitando perante as seções judiciárias federais” (fl. 1.195 dos autos do REsp n° 2.069.644/SP).