STJ altera entendimento sobre o método a ser utilizado na apuração de haveres em dissolução parcial de sociedades limitadas

A contrassenso do que vinha se consolidando na jurisprudência a respeito da aplicação do método do fluxo de caixa descontado para apuração de haveres devidos no âmbito de dissolução parcial (i.e., falecimento, exclusão ou retirada de um dos sócios) de sociedade limita (regida pelos artigos 1.052 e seguintes do Código Civil1]), o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no âmbito do julgamento do Recurso Especial 1.877.331-SP[2] (“REsp STJ”), ocorrido em 13 de abril de 2021, proferiu decisão que alterou referido entendimento, determinando que, ao invés de apurar os haveres por meio do método de fluxo de caixa descontado, deve-se apurá-los com base no valor patrimonial aferido no âmbito do balanço de determinação, previsto no artigo 606 do Código de Processo Civil[3]. Mas, afinal, quais são as implicações práticas de referida alteração de entendimento?

Para que seja claro o impacto da alteração trazida pelo REsp STJ, inicialmente, destacamos que a apuração dos haveres é o processo por meio do qual se pretende determinar, da maneira mais exata possível, o valor patrimonial real de cada quota social, detida pelo sócio, no momento de sua retirada da sociedade – i.e., considerando o patrimônio social e a participação do sócio retirante. qual valor deve ser pago pelos demais sócios (ou pela sociedade, conforme o caso) pelas quotas que eram de sua titularidade.

Neste contexto insere-se a discussão do REsp STJ – i.e., qual o melhor método para avaliar uma sociedade e definir o valor da participação dos sócios no momento de resolução da sociedade. Vale ressaltar que, como regra geral, os haveres dos sócios devem ser calculados conforme previsto no contrato social da sociedade, privilegiando-se, desta forma, os princípios da autonomia da vontade das partes e da força obrigatória dos contratos, consagrados no Código Civil. Contudo, como os contratos sociais nem sempre versam sobre o tema (ou o fazem de forma incompleta), é comum que não haja consenso entre os sócios no momento da saída de um deles e que a disputa seja levada ao judiciário.

Neste sentido, ao longo dos últimos oito anos, especialmente após o julgamento do Recurso Extraordinário 89.464/SP pelo STF, o entendimento jurisprudencial majoritário a respeito do tema era de que o critério econômico, especificamente a metodologia de fluxo de caixa descontado, era o mais apropriado à apuração de haveres dos sócios – resumidamente, referido método busca trazer a valor presente a expectativa de rentabilidade futura da sociedade, aplicando-se a esta uma taxa de desconto, e considerando aspectos subjetivos do patrimônio social, como, por exemplo, rendimentos futuros da sociedade.

Justamente pelo fato de a metodologia de fluxo de caixa descontado incorporar aspectos subjetivos em seu processo de aferição do valor da sociedade, especialmente os rendimentos futuros, é que a 3ª Câmara do STJ, no âmbito do REsp STJ, entendeu que esta metodologia comporta relevante grau de incerteza, de modo que não existe total fidelidade aos valores reais dos ativos, não sendo, desta forma, recomendável na apuração de haveres dos sócios.

Diante do acima e do previsto nos votos do REsp STJ, fica evidente que o ponto central para mudança de entendimento do STJ é a constatação de que a metodologia do fluxo de caixa descontado não determina, da maneira mais exata possível, o valor patrimonial real da sociedade em casos de dissolução parcial, haja vista que o sócio retirante receberia antecipadamente rendimentos futuros, os quais são determinados com base em expectativas e provisões que não necessariamente serão verificadas, e, consequentemente, podem distorcer a avaliação da sociedade e dos haveres a serem apurados.

Desta forma, o atual entendimento do STJ é de que, a aplicação da metodologia do fluxo de caixa descontado pode ocasionar consequências prejudiciais ao futuro da sociedade, tais como (i) o incentivo ao exercício do direito de retirada; e (ii) o enriquecimento indevido do sócio retirante, tendo em vista que receberá parte dos lucros futuros a serem obtidos sem a sua participação.

Neste sentido, em substituição ao entendimento que vinha se consolidando, a 3ª Câmara do STJ determinou que os haveres devem ser apurados tendo como base apenas o valor patrimonial da sociedade – o qual não compreende rendimentos futuros e que, portanto, garante maior exatidão aos valores apurados. Não obstante, a aferição do valor patrimonial, na data de saída do sócio, deve ser realizada por meio do balanço de determinação[4].

Vale, ainda, destacar o balanço de determinação como outro fator relevante na alteração de entendimento do STJ, considerando que é uma inovação legislativa trazida pelo Código de Processo Civil, em 2015, responsável por definir em lei alguns critérios a serem considerados pelo juiz com relação ao balanço a ser levantado para apuração de haveres, garantindo, assim, maior rigor no processo de apuração de haveres e complementando o que já era disposto no art. 1.031 do Código Civil.

Diante do exposto, fica evidente que nos casos em que os contratos sociais forem omissos ou insuficientes a respeito da apuração de haveres, a recente mudança de entendimento do STJ implicará efeitos concretos e significativos aos sócios retirantes, uma vez que os seus respectivos haveres serão apurados com base em critérios patrimoniais e não econômicos, não levando-se em consideração, portanto, rendimentos futuros da sociedade.

Por fim, destaca-se a relevância da negociação e formalização da cláusula de apuração de haveres em contrato social, de modo a garantir que a intenção e vontade dos sócios seja assegurada, inclusive no momento de resolução da sociedade.

 

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

[2] https://www.conjur.com.br/dl/fluxo-caixa-descontado-nao-serve-apurar.pdf

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[4] Entende-se como balanço de determinação a demonstração contábil, elaborada por perito contador, tendo como data data-base a data de resolução da sociedade, avaliando-se os ativos e passivos, incluindo os bens tangíveis e intangíveis da sociedade.

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