STJ, Actio Nata e o Termo Inicial do Prazo Prescricional para a Responsabilização de Administradores

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no âmbito do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.494.347/SP[1] (“Decisão”), tomou relevante decisão a respeito da contagem do prazo para a propositura de ação de responsabilidade em face de administradores. Na Decisão, o tribunal determinou que, em certas situações, o referido prazo pode começar a ser contado a partir da data em que os sócios tiverem conhecimento de violação praticada por um ou mais administradores. Assim, estabeleceu o STJ a possibilidade de aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, em exceção à vertente objetiva, regra normalmente adotada pela corte para o cômputo da prescrição.

Em linhas gerais, a actio nata (actione non nata non praescribitur – ação não nascida não prescreve) é o princípio que estabelece que prazos prescricionais começam a ser contados do exato momento da violação de determinado direito. A doutrina e a jurisprudência costumam destacar a existência de duas vertentes dessa teoria: a (i) actio nata objetiva, segundo a qual a contagem do prazo prescricional inicia independentemente do conhecimento do titular do direito da violação sofrida; e (ii) actio nata subjetiva, pela qual o prazo prescricional deve começar a ser contado a partir do efetivo conhecimento do lesado acerca da violação e de toda a extensão desta.

Fato é que o Código Civil, em seu art. 189[2], adotou a teoria da actio nata objetiva para a contagem de prazos prescricionais. Consequentemente, a posição jurisprudencial preponderante também segue nessa direção. Para o STJ, prevalece o entendimento de que é, na ausência de elementos que autorizem o afastamento do preceito geral, a data da efetiva violação ao direito o marco inicial para a contagem dos prazos prescricionais[3].

Ocorre que, em decisão recente, relativa à dissolução de sociedade limitada, discutiu-se a responsabilidade de administrador por irregularidades de gestão cometidas ao longo de diversos anos.

O prazo prescricional disposto no Código Civil especificamente para a hipótese de responsabilização do administrador por violação da lei ou do estatuto, nos termos de seu art. 206, § 3º, inc. VII, é de três anos. O legislador, na alínea “b” de tal dispositivo esclarece ainda que “para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento”. Manifestação clara da vertente objetiva da teoria da actio nata.

Porém, no caso sob análise, o STJ reconheceu que podem existir “circunstâncias peculiares”, cuja excepcionalidade evidencia a inviabilidade de conhecimento dos sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, sendo imperativo admitir “como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir”.

Ainda, de acordo com a corte, “[n]ão se olvida do entendimento firmado nesta Corte a respeito da aplicação da teoria da actio nata em sua vertente objetiva como regra geral, admitindo, em casos excepcionais, sua mitigação pela vertente subjetiva, em que se analisa a data do conhecimento pela parte da lesão sofrida como sendo o termo inicial para a contagem do prazo prescricional[4].

Para reconhecer ser caso excepcional a merecer tutela diversa, o STJ levou em consideração o fato de que o administrador da sociedade, durante seu mandato, não apresentou quaisquer balanços relativos aos exercícios em que esteve à frente da empresa, tendo, tampouco, diligenciado a realização de reunião/assembleia para aprovação das contas de sua gestão. Com isso, entendeu a corte que “a publicidade dos atos relativos à administração empresarial ficou sensivelmente vulnerada, circunstância que, inevitavelmente, obsta a fixação da data em que a assembleia deveria ter ocorrido como marco inicial do lapso prescricional”.

Tal postura adotada pelo STJ traz reflexões relevantes para a realidade societária brasileira. No Brasil, cerca de 92% das sociedades são limitadas, sendo que dessas sociedades, quase 80% têm capital social inferior a R$ 50 mil e mais da metade são microempresas, cujo faturamento bruto anual não supera R$ 360 mil[5]. Ademais, mais de 90% dessas sociedades têm dois sócios ou menos e apenas 2% têm administrador profissional[6]. Ou seja, trata-se de empresas que, em sua maioria, têm estruturas de governança modestas e que, por muitas vezes, não se atêm a todos os detalhes exigidos pela legislação – e.g. realização de reuniões periódicas, aprovação de contas da administração, e atualização de livros societários.

Nesse contexto, a Decisão parece adequada ao panorama societário brasileiro, na medida em que tende a evitar que a inércia ou omissão de administradores se traduza em prescrição e em impossibilidade de responsabilização por conduta ilícita.

 

[1] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201303509753&dt_publicacao=12/09/2024.

[2] Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

[3]O Código Civil vigente adotou, como regra geral, a data da lesão do direito – e não a da respectiva ciência – em prol da segurança jurídica, escopo da prescrição, evitando, assim, impor a alguma das partes o ônus da dificílima prova da data da ciência do fato, o que deixaria a fluência do prazo, em muitas hipóteses, a critério do autor da ação (…)” (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.794.362/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/9/2021).

[4] E mais: não é de hoje que o STJ reconhece que a regra geral – da vertente objetiva da teoria da actio nata – não é absoluta: “o início do prazo prescricional, com base na Teoria da Actio Nata, não se dá necessariamente no momento em que ocorre a lesão ao direito, mas sim quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão” (STJ, AgInt no AREsp n. 1.500.181/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 25/6/2021).

[5] Radiografia das Sociedades Limitadas, Fundação Getulio Vargas, 2014.

[6] Idem.

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