No último dia 10 de outubro de 2024, a B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”) submeteu a consulta pública uma nova proposta de evolução do Regulamento do Novo Mercado (“Regulamento”), com o objetivo de reunir contribuições dos diversos agentes de mercado possivelmente interessados, a fim de aprimorar o texto elaborado. Tal proposta é a segunda fase da revisão do Regulamento lançada pela B3, que, na primeira fase da consulta, iniciada em 2 de maio de 2024, recebeu um total de 58 manifestações por escrito enviadas por diversos participantes do mercado, como associações, escritórios de advocacia e grupos de pesquisa, e realizou diversas reuniões com companhias listadas no Novo Mercado. A partir destas manifestações, a B3 alterou a proposta inicial e a submeteu para esta segunda rodada de consulta, que ficará aberta até o dia 11 de novembro de 2024[1]. Finalizada esta segunda etapa, é esperado que seja realizada uma audiência restrita para a votação pelas companhias da aprovação ou não da proposta final.
Antes de adentrarmos as mudanças propostas, vale ressaltar que o Regulamento disciplina as atividades da B3 na qualidade de entidade administradora de mercado de bolsa, e também as atividades das companhias listadas, dispondo sobre os requisitos mínimos para ingresso, permanência e saída do Novo Mercado[2]. Já por “Novo Mercado”, entende-se o segmento de listagem da B3 com o maior rigor de exigência no que se refere às obrigações e aos padrões de governança corporativa dos participantes, determinando, por exemplo, a exclusividade de ações ordinárias no capital social da companhia, regras sobre a composição dos conselhos de administração e controles internos mínimos para fiscalização das atividades da companhia.
Em linhas gerais, com base nas reformas propostas, vê-se um esforço da B3 em garantir maior transparência e acesso à informação para os investidores, incentivar um maior alinhamento entre a alta administração e os interesses das companhias, e fortalecer controles internos e externos para mitigação de riscos e responsabilização dos administradores. Nesse sentido, é possível destacar os seguintes tópicos da reforma como os mais relevantes:
- Limitação de participação em conselhos de administração: propõe-se a vedação aos membros do conselho de administração de ocuparem cargos em mais de 5 (cinco) conselhos de companhias abertas. O número é reduzido para 2 (dois) conselhos quando o membro ocupar cargo na diretoria estatutária e para 1 (um) quando o conselheiro ocupar cargo de diretor presidente ou principal executivo da companhia. Caso o diretor ocupe diversos cargos em companhias de um mesmo grupo de sociedades, controladas ou sob controle comum, os cargos serão contados como uma única posição.
- Limitação de mandatos para conselheiros independentes: na nova proposta, não será mais considerado conselheiro independente aquele que atuou nessa posição junto à companhia por 12 (doze) anos ou mais, sendo que a contagem do prazo será reiniciada caso o conselheiro independente permaneça afastado por 2 (dois) anos ou mais.
- Número mínimo de conselheiros independentes na companhia: com a reforma, a companhia deverá prever em seu estatuto social o patamar mínimo de 30% de conselheiros independentes no seu conselho de administração, valor este que atualmente se encontra em 20%.
- Divulgação de relatório da administração sobre controles internos: anualmente, as companhias deverão divulgar uma declaração do diretor presidente (ou principal executivo) ou do diretor financeiro (ou executivo responsável pelas demonstrações financeiras) quanto à responsabilidade pelo estabelecimento e manutenção da estrutura de controles, juntamente com a avaliação da efetividade de tais estruturas para a elaboração das demonstrações financeiras.
- Flexibilização da utilização de arbitragem: atualmente, o Regulamento impõe que o estatuto social preveja cláusula compromissória por meio de arbitragem perante a Câmara de Arbitragem do Mercado. Com a reforma, as companhias poderão utilizar outras câmaras, desde que estas sejam credenciadas pela B3.
- Introdução do selo “Novo Mercado Alerta”: o alerta, que tem caráter informacional, e não punitivo, poderá ser emitido pela B3 na ocorrência de determinadas hipóteses, como a divulgação de fato relevante que demonstre a possibilidade de erro material nas informações financeiras, ou atraso de mais de 30 (trinta) dias para a entrega de informações financeiras. Uma vez comunicada a companhia, a B3 abrirá prazo para que aquela apresente os documentos corretos ou esclarecimentos e, findo o prazo, decidirá sobre a emissão do alerta, o que deverá ser comunicado ao mercado e permanecerá até a questão ser sanada.
- Divulgação de denúncias: em seu formulário de referência, relatório anual de sustentabilidade ou outro documento público, as companhias deverão divulgar o número de denúncias recebidas pelo canal de denúncias disponibilizado pela companhia, bem como o número de sanções aplicadas.
A proposta apresentada ainda traz alguns questionamentos teóricos ao mercado, sem reflexo na redação da norma, além de alterações pontuais em outros tópicos, tais como a exigência de que o comitê de auditoria passe a ser estatutário, a fim de harmonizar as práticas vistas no mercado.
Caso aprovada, a reforma impactará a governança das companhias do Novo Mercado, especialmente com as novas regras voltadas aos conselheiros. Tais novidades intentam evitar que os conselheiros dividam seus esforços entre diversas companhias, dada a grande demanda que esta posição exige e as preocupações concorrenciais provenientes da participação concomitante de um membro em vários conselhos de administração. Além disso, a B3 visa reforçar a independência de parcela significativa do conselho, considerando o possível comprometimento de tal caráter em função de potenciais conflitos de interesse que possam surgir após longo período de mandato do conselheiro.
Outra alteração que deve ser bastante relevante é a previsão dos relatórios de avaliação dos controles internos para a elaboração das demonstrações financeiras. A criação dessa nova obrigação aos diretores das companhias visa robustecer ainda mais o compliance e a mitigação de riscos dentro das companhias e fortalecer a confiança transmitida aos investidores.
Após a primeira rodada de consulta, percebe-se que muitas das sugestões recebidas pela B3 foram incorporadas ao texto, tais como a retirada da proposta de aumento de multas e criação de novas penalidades por infrações ao Regulamento, diante da predominância de argumentos contrários a tal reforma. Essa atuação demonstra o reconhecimento pela B3 da importância da participação e do diálogo com agentes do mercado para a construção de um corpo normativo completo e adaptado às necessidades do Novo Mercado.
[1] Ambas as propostas apresentas pela B3, bem como todas as manifestações por escrito recebidas na primeira consulta pública podem ser encontradas no seguinte link: Revisão dos regulamentos dos segmentos especiais de listagem | B3.
[2] Regulamento do Novo Mercado, Art. 1º Este regulamento disciplina as atividades: da B3, na qualidade de entidade administradora de mercado de bolsa: a) na verificação do atendimento, pelas companhias, aos requisitos mínimos para ingresso, permanência e saída do Novo Mercado; e b) na fiscalização das obrigações estabelecidas neste regulamento e na aplicação de eventuais sanções. das companhias, na observância dos requisitos mínimos para ingresso, permanência e saída do Novo Mercado.