Em Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária realizada em 27 de abril de 2021[1], os acionistas da CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. (“Companhia”), representando aproximadamente 35% do capital votante total da Companhia, aprovaram, dentre outras matérias, (i) a propositura de ação de responsabilidade, nos termos do artigo 159 da Lei nº 6.404/76 (“LSA”)[2], contra quatro ex-administradores da Companhia; e (ii) a retificação das Assembleias Gerais Ordinárias da Companhia que aprovaram, sem reservas, as contas de referidos administradores, relativas aos exercícios sociais findos em 31 de dezembro de 2015, 2016, 2017 e 2018, para que contemplassem a aprovação, com reservas, do relatório da administração e das contas dos administradores.
Em síntese, o intuito da Companhia é ajuizar ação de responsabilização contra os ex-administradores para imputar-lhes a responsabilidade por prejuízos sofridos pela Companhia, estimados em R$362 milhões, em razão de ocultação de informações relevantes, o que, por sua vez, no entendimento da Companhia, resultou em erros contábeis identificados nas demonstrações financeiras referentes à época de gestão dos ex-administradores.
O caso em tela ilumina temática que interessa, de forma conflitante, tanto a acionistas como administradores. Se, por um lado, aos acionistas (ou à companhia) é fundamental que possam responsabilizar os administradores por atos que lhes gerem prejuízo, de outro, aos administradores interessa que não sejam responsabilizados por decisões que visavam o interesse social, mesmo que tenham resultado em prejuízo à companhia. De outra forma, estes estariam correndo o risco da atividade empresarial.
A regra geral a respeito do tema, inscrita no art. 158 da LSA, é a de que o administrador não é pessoalmente responsável pelos atos que pratica no exercício regular de sua gestão, os quais são considerados como atos da companhia e, portanto, a ela imputáveis. Não obstante, o administrador responde pessoalmente, em dois casos: (i) quando agir dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; ou, (ii) quando agir em violação à lei e/ou ao estatuto social.
O ponto controvertido encontra-se na segunda hipótese de responsabilização indicada acima, uma vez que, majoritariamente, a doutrina entende que a responsabilidade do administrador é subjetiva (i.e., depende de comprovação de culpa ou dolo), inclusive quando este age em violação à lei e/ou ao estatuto social, aplicando-se, assim, a regra geral do Código Civil[3].
O efeito prático do entendimento acima é de que, ainda que os administradores violem a lei ou o estatuto social, caberá à companhia (ou seus acionistas) o ônus de provar a culpabilidade (dolo ou culpa) do administrador por sua conduta, sob pena de não serem ressarcidos por perdas sofridas.
Neste mesmo sentido, a LSA[4] prevê que, em ações de responsabilidade: “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia”.
Deste modo, resta claro que o entendimento majoritário é que a simples existência do dano não é suficiente para imputar responsabilidade aos administradores, o que, por sua vez, depende da capacidade da companhia e dos acionistas (os quais, em regra, possuem assimetria de informações se comparados aos administradores) de comprovar o dolo ou culpa do administrador no exercício de seu cargo.
Diante da subjetividade do tema e da escassez de jurisprudência, casos como o da CVC tornam-se relevantes e têm o potencial de conferir maior concretude de elementos e critérios para definição das hipóteses nas quais se pode, ou não, responsabilizar os administradores por danos sofridos pelas companhias ou seus acionistas, uma vez que, independentemente do resultado da ação de responsabilidade da CVC, tanto administradores como acionistas teriam elementos concretos para interpretar situações do dia a dia.
[1] https://ri.cvc.com.br/list.aspx?idCanal=szqraFzHBHQ+QOIzzUgUBA==
[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm
[3] artigo 186 da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
[4] artigo 159, §6º, da LSA.