Embora amplamente debatido para companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apreciou, pela primeira vez, o tema de conflito de interesses em fundos de investimento. No caso, a decisão envolveu o potencial conflito em um fundo de investimento imobiliário (FII).
A Instrução CVM nº 472/08 dispõe sobre a constituição e o funcionamento dos FII. Nessa norma, está estabelecido que o cotista deve exercer o direito de voto no interesse do fundo, de forma que, se o seu interesse for conflitante, não pode votar na assembleia (artigo 24, caput e §1º, VI).
No Processo CVM nº 19957.000837/2021-11, discutiu-se o impedimento de voto da Cyrela Commercial Properties S.A. Empreendimentos e Participações (CCP), na qualidade de cotista majoritária do Fundo de Investimento Imobiliário Grand Plaza Shopping – FII (FII Grand Plaza). O debate envolveu o potencial conflito de interesses da CCP para votar em duas consultas formais sobre a reestruturação do FII Grand Plaza. A reestruturação decorria da autuação pela Receita Federal do Brasil (RFB), em que, com base no artigo 2º da Lei nº 9.779/99, se alegava que o FII Grand Plaza estaria sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas em geral em razão de a CCP ser incorporadora, construtora e/ou sócia do empreendimento imobiliário investido pelo fundo. A CCP também foi autuada pela RFB.
O referido processo foi julgado pelo Colegiado em 25.5.2021. A Rio Bravo Investimentos DTVM Ltda., administradora do FII Grand Plaza, apresentou pedido de reconsideração da decisão, o qual foi conhecido e julgado em 28.9.2021. Em suma, o Colegiado, por maioria de votos, concluiu que o conflito de interesses do artigo 24, §1º, VI, da Instrução CVM nº 472/08 deveria ser declarado pelo próprio cotista, não cabendo o impedimento de voto do cotista pelo administrador fiduciário.
Ainda, conforme esclarecido pelo Colegiado da CVM, o administrador fiduciário teria o dever de diligência de identificar e endereçar os conflitos de interesses, podendo adotar, entre outras possíveis medidas, as seguintes:
- definir procedimentos, por escrito e passíveis de verificação, em seus manuais internos, a serem implementados para identificar potenciais conflitos de interesses entre o fundo e seus cotistas, de forma tempestiva;
- estabelecer comunicação prévia com o cotista potencialmente conflitado, buscando esclarecer o conflito e sugerir alternativas a partir da regulamentação em vigor; e
- determinar se o conflito de interesses identificado é inconciliável e expor, aos demais cotistas, o seu entendimento sobre a existência de tal conflito e as providências para mitigá-lo ou enfrentá-lo (incluindo a consulta à CVM e medidas judiciais).
Por ser a primeira decisão sobre conflito de interesses em fundos de investimento, certamente será uma importante referência para balizar a atuação dos administradores fiduciários ao enfrentar o tema.