Poison pills e o recente aumento de seu uso no mercado brasileiro

No dia 18 de fevereiro de 2025, a Hapvida Participações e Investimentos S.A. (”Hapvida”) aprovou, em Assembleia Geral Extraordinária[1] (“AGE”), a alteração de seu estatuto social para incluir uma nova cláusula de poison pill, com o objetivo de proteger a companhia de tentativas de aquisição hostil (hostile takeover). De acordo com a proposta da administração, tal alteração visa à “proteção da dispersão acionária e ao aprimoramento da governança corporativa da Companhia, bem como à geração de valor a seus acionistas, em linha com as práticas atuais de mercado, de modo que eventual acionista que venha a adquirir participação relevante na Companhia esteja obrigado a tratar todos os acionistas da Companhia de forma isonômica[2].

A decisão tomada pelos acionistas da Hapvida no âmbito da AGE também foi vista em outros casos recentes. No mês de janeiro de 2025, a CVC Brasil Operadora e Agência de Viagens S.A. (“CVC”) e o Fundo de Investimento Imobiliários Shopping Pátio Higienópolis (“FII Higienópolis”) aprovaram a inclusão de poison pills similares ao do caso da Hapvida, em seu estatuto social[3] e em seu regulamento[4], respectivamente.

Em resumo, poison pills consistem em instrumentos que visam proteger acionistas minoritários, dificultando a aquisição do poder de controle ou de participação acionária substancial  por meio de uma oferta hostil – i.e., aquela diretamente endereçada aos acionistas da companhia, sem consulta ou concordância anterior da administração.

Surgidas nos Estados Unidos da América, as poison pills podem tomar diversos formatos. Um modelo norte-americano comum, conhecido como flip-in, funciona como um “direito dormente”, o qual é ativado pela aquisição de determinado percentual de ações da companhia, e é concedido a todos os acionistas, com exceção do adquirente hostil. Por tal mecanismo, atingindo o percentual previsto no estatuto, o acionista passa a ter direito a um bônus de subscrição de ações outorgado pela própria companhia, permitindo a aquisição de novas ações por preço inferior ao de mercado, o que permite a diluição da participação do adquirente hostil na companhia. Esse tipo de cláusula estava presente, por exemplo, no estatuto social do Twitter, Inc. e gerou grandes discussões ao ser adotada pelo conselho de administração durante as primeiras etapas do processo de aquisição da empresa pelo bilionário Elon Musk, em 2022[5].  Hoje, as poison pills estadunidenses podem ainda adquirir diversos outros formatos.

Já no Brasil – dadas as diferenças legislativas e regulatórias aplicáveis ao mercado de valores mobiliários –, as poison pills costumam consistir em uma previsão de que a aquisição de determinado percentual de ações da companhia gera, para o adquirente, a obrigação de realizar Oferta Pública de Aquisição de Ações (“OPA”) dirigida aos demais acionistas, com o pagamento de prêmio de controle superior ao de mercado. Adicionalmente, a Lei das S.A. ainda prevê em seu art. 254-A que, no caso de alienação de controle, fica o adquirente obrigado a realizar OPA direcionada aos demais acionistas com direito a voto da companhia, por preço mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

No caso da Hapvida, após a realização da AGE, foi adicionado ao estatuto social da companhia que aquisição direta ou indireta, por pessoa ou grupo de pessoas, de ações representativas de, pelo menos, 20% do capital social implica a obrigação de realização de OPA a todos os demais acionistas, por preço de aquisição que não poderá ser inferior ao maior valor entre (a) 120% do valor econômico apurado em laudo de avaliação; (b) 140% da maior cotação de fechamento das ações da Companhia durante os 12 meses anteriores à data de atingimento da participação relevante; (c) 140% do maior preço por ação de emissão da companhia pago pelo adquirente hostil nos 12 meses anteriores à data de atingimento da participação relevante; e (d) 120% do preço de emissão das ações em qualquer aumento de capital realizado mediante distribuição pública ocorrido no período de 12 meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA.

A poison pill adicionada ao estatuto da CVC, por sua vez, coloca como gatilho para a realização de OPA a aquisição de ações representativas de, pelo menos, 25% do capital social. Já nos termos da nova versão do regulamento do FII Higienópolis, o percentual que obriga a OPA é de somente 20%. No regulamento do FII Higienópolis, foi aprovada, ainda, previsão de limitação do direito de voto em 15%, de modo que, mesmo que um cotista possua, por exemplo, 20% das cotas do fundo, seus votos valerão, no máximo, 15% para deliberações sobre determinados temas de suma relevância ao fundo, tais como fusão, incorporação, cisão e transformação.

Assim sendo, as poison pills, fazem que aquisições de percentuais relevantes no capital social da companhia tornem-se substancialmente onerosas, o que tende a desestimular a ocorrência de hostile takeovers. Dificultando a entrada de novos acionistas com percentuais relevantes no quadro acionário de uma companhia, as poison pills incentivam a manutenção da dispersão acionária, e podem obstar a tomada ou troca de titularidade do controle sobre a companhia. Dessa forma, tais cláusulas permitem, também, o controle do free float[6] de companhias abertas, o que, além de ser um requisito imposto por determinados segmentos de listagem[7], também pode ser importante em relação à liquidez dos valores mobiliários de emissão de uma companhia. Ainda, é relevante notar que o mecanismo das poison pills não é uma exclusividade de companhias abertas e, apesar de ser uma prática menos comum no mercado brasileiro, pode ser aplicado, também, em fundos de investimento, como demonstra o caso do FII Higienópolis.

 

[1] A ata de AGE pode ser acessada através do seguinte link: https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/6bbd1770-f9f4-44e8-a1b1-d26b7585eec1/5f5e0778-7af2-019e-ea77-23b27a5d5093?origin=1

[2] A proposta da administração pode ser acessada através do seguinte link: 618391f1-be76-c84d-16f9-058b162f6bab

[3] A ata de AGE pode ser acessada por meio do seguinte link: https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/3170bc85-4692-44d1-a2bd-c1d17ab99839/3f2048e0-6d68-010b-ee2c-95f4fa39a580?origin=1

[4] O regulamento pode ser acessado através do seguinte link: https://www.riobravo.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Regulamento_-24.01.2025.pdf

[5] Conforme se extrai do seguinte link: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/04/15/twitter-adota-mecanismo-para-proteger-acionistas-contra-proposta-de-elon-musk.ghtml

[6] A regulação da Comissão de Valores Mobiliários define as ações em circulação como sendo “todos os valores mobiliários ou ações do emissor, com exceção dos de titularidade do controlador, das pessoas a ele vinculadas, dos administradores do emissor e daqueles mantidos em tesouraria.”

[7] O regulamento do Novo Mercado, por exemplo, prevê que “Art. 10. A companhia deve manter ações em circulação em percentual correspondente a, no mínimo: 25% (vinte e cinco por cento) do capital social; ou 15% (quinze por cento) do capital social, desde que o volume financeiro médio diário de negociação das ações da companhia se mantenha igual ou superior a R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), considerados os negócios realizados nos últimos 12 (doze) meses, observado o disposto no Art. 86.“

Ir ao Topo