No dia 15 de março de 2022, foi editada a Medida Provisória nº 1.103 (MP 1.103) que, entre outras medidas, estabeleceu as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios por companhias securitizadoras. Além de ter inovado em diversos aspectos, a MP 1.103 promoveu a consolidação de regras esparsas e a uniformização de conceitos relativos a essas operações.
Securitizadoras foram definidas como “instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, que têm por finalidade a aquisição de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização” (art. 17).
Os recém-criados Certificados de Recebíveis, acima referidos, são títulos de crédito nominativos e escriturais, de emissão exclusiva de securitizadoras, representativos de promessa de pagamento em dinheiro condicionada ao pagamento de seu lastro. Podem, ainda, ser pagos mediante dação do lastro aos investidores nas hipóteses estabelecidas no termo de securitização ou previstas na MP 1.103. Quando ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado, passam a também ser considerados valores mobiliários e, assim, sujeitos à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Como se nota, as securitizadoras ficaram expressamente autorizadas a emitir, no contexto de suas operações de securitização, além de Certificados de Recebíveis, quaisquer outros títulos ou valores mobiliários, desde que as regras aplicáveis aos referidos títulos ou valores mobiliários sejam compatíveis com o disposto na MP 1.103 e com as características da estrutura que se pretende. Caso sejam objeto de oferta pública, o disposto na Resolução CVM nº 60, de 23 de dezembro de 2021, também deverá ser observado, conforme aplicável.
Desse modo, o rol dos já conhecidos instrumentos de securitização, que incluem, entre outros, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), passa a ser complementado pelos Certificados de Recebíveis, títulos de securitização genéricos, e por outros títulos ou valores mobiliários também não necessariamente ligados a determinada natureza de lastro, como as debêntures e as notas comerciais.
Aliás, especificamente quanto ao lastro, as disposições que regiam as categorias de direitos creditórios expressamente admitidos à securitização também deram lugar a regras gerais, que comportam a securitização de direitos creditórios oriundos de quaisquer segmentos. Às securitizações imobiliárias, do agronegócio e financeiras, conhecidas do mercado, somam-se agora operações voltadas aos segmentos mercantil, educacional e desportivo, por exemplo, dentre tantas outras possibilidades.
Ainda sobre o lastro, a MP 1.103 prevê a possibilidade de revolvência dos direitos creditórios que o compõem. A securitizadora poderá, assim, utilizar recursos provenientes do pagamento de direitos creditórios para a aquisição de outros, a serem vinculados aos mesmos títulos ou valores mobiliários. Essa inovação viabiliza a securitização de direitos creditórios de curto prazo, tornando a estrutura atrativa a uma gama ainda maior de ativos que, antes, dependiam essencialmente de fundos de investimento para sua securitização.
Ademais, desde que o respectivo instrumento de emissão seja registrado em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, a companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre o lastro de qualquer operação. Os bens e direitos que compõem o lastro constituirão um patrimônio separado, destinado exclusivamente ao pagamento da operação de securitização, e que não se confundirá com o patrimônio da securitizadora. Segundo a MP 1.103, o patrimônio separado não poderá ser acessado nem mesmo por credores fiscais, previdenciários ou trabalhistas da securitizadora.
A MP 1.103 representa um importante passo no desenvolvimento do mercado de securitização. A partir do estabelecimento de regras gerais, permite a realização de operações com estruturas e características mais variadas. A iniciativa viabiliza o acesso ao mercado de capitais por parte de setores que hoje não podem contar com essa fonte de recursos, e amplia as possibilidades de atuação das securitizadoras[1].
A MP 1.103 foi publicada em 16 de março de 2022 e deverá ser votada pelas duas Casas do Congresso Nacional em até 60 dias da mencionada data. O prazo de 60 dias poderá ser prorrogado por igual período, se necessário.
[1] Além do disposto acima, lembramos que a harmonização das regras tributárias aplicáveis às securitizadoras também será relevante para permitir a ampliação das suas possibilidades de atuação.