Com objetivo de desburocratizar e simplificar a atividade empresarial, foram introduzidas alterações normativas recentes no nosso ordenamento jurídico, que tiveram impacto direto no direito societário. Via de regra, essas mudanças visaram atender demandas para simplificar a atividade empresarial no país.
A principal delas foi a publicação da Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, chamada de “MP da Liberdade Econômica”. Essa medida provisória teve por objetivo introduzir uma série de princípios, garantias e direitos para o livre exercício da economia, alterando dispositivos que versam sobre a desconsideração da personalidade jurídica, a função social do contrato e a interpretação de cláusulas contratuais, entre outros. Ademais, instituiu sociedades limitadas unipessoais e deu disciplina, no Código Civil, aos fundos de investimento.
Vale dizer que, ao escolher introduzir essas alterações via medida provisória, o poder executivo comprou o risco de introduzir normas no ordenamento jurídico que podem vir a não ser referendadas pelo congresso nacional, deixando de viger se isso acontecer. Há notícias de que já teriam sido propostas mais de 300 emendas parlamentares de alteração à MP da Liberdade Econômica¹. Essa medida provisória permanecerá em vigor por 60 dias, até 29 de junho de 2019, prorrogável por igual período até 28 de agosto de 2019, quando então caducará, caso não venha a ser aprovada.
Adicionalmente, a Lei nº 13.792, de 3 de janeiro de 2019, simplificou a previsão no Código Civil de destituição de administrador sócio, e a possibilidade de exclusão extrajudicial dos sócios em sociedades limitadas. A alteração legislativa instituiu um menor quórum para deliberar a respeito de destituição de sócios administradores, que passou de dois terços para mais da metade do capital social. Além disso, excluiu a previsão de reunião ou assembleia específica para a exclusão extrajudicial em sociedades com apenas dois sócios, desde que prevista no contrato social a possibilidade de exclusão por justa causa.
A Lei nº 13.818, de 24 de abril de 2019, alterou a Lei das Sociedades Anônimas, ampliando a abrangência da dispensa de publicação dos documentos da administração no âmbito de uma assembleia geral ordinária, incluindo demonstrações financeiras, a qualquer companhia fechada que tiver menos de 20 acionistas e com patrimônio líquido de até R$ 10 milhões (frente a R$ 1 milhão previsto anteriormente). Adicionalmente, estabeleceu que, a partir de 2022, não haverá mais a obrigatoriedade de realizar as publicações ordenadas por essa lei nos diários oficiais da União, Estado ou Distrito Federal.
Outras alterações introduzidas foram a Medida Provisória nº 876, de 13 de março de 2019, e a Instrução Normativa nº 60 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração, de 26 de abril de 2019, que dispõem sobre registro público empresarial. Com elas, os atos de constituição de empresários individuais, EIRELIs e Sociedades Limitadas devem passar a ser deferidos de imediato pelas Juntas Comerciais, e dispensam a apresentação de documentos autenticados, desde que advogados e/ou contadores declarem sua autenticidade, ou que o original seja apresentado em conjunto no ato que vai para registro.
As alterações acima comentadas apontam para a complexidade do ordenamento jurídico brasileiro, considerando que foram introduzidas alterações esparsas, em um intervalo de quatro meses, ao Código Civil, à Lei de Sociedades Anônimas, à Lei de Registros Públicos de Empresas Mercantis, bem como alterações por meio de medida provisória.
A quantidade de normas introduzidas, e a forma como isso foi feito, fazem ser possível a conclusão de que deveria haver um debate mais amplo sobre as necessidades de alterações no regramento relacionado ao direito empresarial, especialmente quanto a questões que possam conferir mais simplicidade e agilidade para a atividade econômica, no contexto de um país que historicamente sempre se debateu para ter um crescimento sustentável.
Por outro lado, também é sabido que reformas amplas de diplomas legais costumam ter debates e processos de aprovação muito lentos. E não raramente, o número de emendas, as interferências políticas e de interesses, e a demora no processo legislativo, que pode durar anos, acabam por fazer os textos incoerentes e muitas vezes anacrônicos quando aprovados, especialmente quando a matéria tratada é a atividade empresarial, com a cada vez mais premente necessidade de agilidade, adaptação e inovação constante.
Muito embora pareça correto o direcionamento das alterações introduzidas, ainda será necessário observar qual o impacto que medidas desse tipo terão para que se crie um círculo virtuoso no que diz respeito à relação entre a atividade empresarial no Brasil e as normas que definem e possibilitam essa atividade. O primeiro passo certamente será acompanhar se a MP da Liberdade Econômica vai ser de fato aprovada. Se ela o for, e uma vez que as alterações (após eventuais emendas) sejam definitivas, poderemos então observar quais discussões ela suscitará, para então analisar os impactos na nossa rotina no médio e longo prazo, e quais consequências ela terá para o restante dos esforços normativos no que diz respeito à atividade empresarial.
[1] Fonte: https://www.conjur.com.br/2019-jun-10/direito-civil-atual-tomar-decisoes-empresariais-mp-liberdade-economica. Acessado em 19 de junho de 2019.