No final de outubro, o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei Complementar nº 249/2020 (“Projeto”), apelidado de Marco Legal das Startups, fruto de ampla discussão com entidades do setor, o qual apresenta medidas de estímulo e suporte ao empreendedorismo e à expansão do ecossistema de startups no Brasil.
O Marco Legal das Startups faz parte de um leque de iniciativas legislativas que têm a intenção comum de impulsionar a competitividade do ecossistema de inovação nacional por meio da flexibilização de exigências legais aplicáveis às startups e ao investimento nelas realizado – com destaque para o Projeto de Lei Complementar nº 146/2019, ao qual o Projeto inclusive foi apensado, que propõe a criação das “sociedades anônimas simplificadas”, com tratamento fiscal benéfico – tanto para tais sociedades (e.g., dedução de base tributável de imposto de renda com despesas relacionadas à inovação) como para seus investidores (e.g., alíquota mais favorável para tributação de rendimentos) –, além de regras e procedimentos específicos para a contratação de funcionários, com relevante flexibilização das disposições previstas nas CLT.
Ao expandir as disposições do projeto de lei 2019 supracitado, o Projeto encara a difícil tarefa de encontrar uma definição legal para “startup”, para fins de aproveitamento de suas medidas, optando pela descrição genérica de “organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”, e desde que tais entidades atendam, ainda, determinados critérios objetivos, tais como faturamento anual de até R$ 16 milhões e inscrição no CNPJ há, no máximo, seis anos.
Um dos principais pontos do Projeto diz respeito à proteção da figura do investidor em startup (os chamados “investidores-anjo”), ao prever expressamente que aportes de recursos que não façam parte do capital social da startup (por exemplo, via opções para aquisição futura de capital ou via dívida conversível) não resultarão em responsabilidade conjunta do investidor-anjo com a startup ou seus sócios de capital, inclusive no caso de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade investida – uma das principais preocupações dos investidores-anjo e um dos maiores obstáculos, na visão de associações do setor, ao investimento em startups no Brasil. Em contrapartida, tais investidores não poderão atuar na administração da startup, exceto em caráter estritamente consultivo e fiscalizatório (por exemplo, exigindo prestação de contas dos administradores e as demonstrações financeiras da sociedade).
Outro ponto de destaque é a proposta de aproximação entre as startups e a administração pública, que o Projeto aborda através de diferentes medidas: inicialmente, com a previsão de uma modalidade especial de licitação voltada especificamente para tais sociedades, a fim de facilitar a contratação de modelos negociais inovadores e projetos adotando novas tecnologias pelo poder público; ainda, o Projeto autoriza expressamente a criação de programas de ambientes regulatórios experimentais por órgãos da administração pública (os chamados “sandbox regulatórios”), a exemplo dos ambientes já implementados pela Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil.
Finalmente, o Projeto também propõe medidas que visam flexibilizar a rotina das sociedades anônimas em geral (i.e., não só as startups), em atendimento a pleitos históricos do mercado – por exemplo, autorização para a publicação de convocações, balanços anuais e outros documentos típicos das sociedades anônimas apenas de forma eletrônica, bem como a manutenção dos registros de titularidade e transferência de ações somente em formato eletrônico (em ambos os casos, somente para as S.A. que tenham faturamento de até R$ 78 milhões por ano e menos de trinta acionistas).
Por todo o exposto, o Projeto surge com o anseio de incentivar o empreendedorismo e modernizar o ambiente de negócios. Através da cooperação entre entes privados e públicos, o Marco Legal das Startups, que ainda tramitará na Câmara dos Deputados, demonstra um avanço significativo no ordenamento jurídico para o setor, ao reconhecer o potencial que as startups podem exercer no desenvolvimento do mercado interno brasileiro.