No mês de abril, a CVM, em reunião do Colegiado, acolheu recurso interposto por acionistas da Indústria Verolme S.A. (“Companhia”), em processo administrativo[1] em que os acionistas alegam afronta aos deveres fiduciários de diligência e lealdade dos administradores da Companhia, e abuso do poder de controle por seu acionista controlador.
A afronta alegada é em decorrência da celebração de contrato de aluguel entre a Companhia, na qualidade de locatária, e a Polipar Gerenciamento Administração Ltda., na qualidade de locadora, em 7 de maio de 1998 e com vigência de 35 anos, que teria sido utilizado para favorecimento indevido do acionista controlador da Companhia e beneficiário final da locadora.
Em sua análise, a Superintendência de Relações com Empresas da CVM (“SEP”) entendeu que (a) em razão do prazo prescricional quinquenal reservado à pretensão punitiva da CVM, sua análise não deveria compreender períodos anteriores a 20 de fevereiro de 2011 (cinco anos anteriores à data de instauração do processo, em 19 de fevereiro de 2016), e (b) não teria havido ilicitude nas ações dos administradores e do acionista controlador quanto a este assunto nesse período restrito, uma vez que estes somente teriam seguido os termos e condições originalmente acordados no contrato celebrado em 1998.
O Diretor Relator Henrique Balduino Machado Moreira acolheu o recurso interposto pelos acionistas, entendendo que, em decorrência da continuidade da manifestação dos efeitos do contrato de aluguel ao longo do tempo, a pretensão punitiva da CVM poderia recair sobre a conduta até o momento de sua cessação – neste caso, 7 de abril de 2015, data em que foi cancelado o registro de companhia aberta da Companhia – ou sobre cada ato ou omissão a ela relacionados, devendo os respectivos prazos prescricionais ser calculados a partir dessas datas. Nesse sentido, determinou que o processo fosse remetido novamente à SEP, para reavaliação das acusações à luz de tal entendimento.
O ponto focal da determinação do Diretor Relator diz respeito a questão interessante e de extrema relevância para a rotina da administração de companhias – como identificar os prazos prescricionais da pretensão punitiva da autarquia, especialmente no caso de obrigações de trato sucessivo?
A regra geral que a CVM tem tentado pacificar[2] é a de que os atos ou omissões devem ser analisados de forma individual, e não como um ilícito continuado, segundo cada ato ou omissão dos administradores ou acionista controlador. Por exemplo, no caso acima, independentemente da data de celebração do contrato de aluguel, quaisquer eventuais irregularidades sobre sua execução continuada deveriam ser avaliadas para cada ato ou omissão de cada acusado:
(a) no caso dos administradores, que não se beneficiam dos efeitos do contrato, a prática não é continuada, no entanto não se pode entender que o marco inicial para contagem do prazo prescricional deva ser somente a data de celebração do contrato de aluguel, mas sim cada ato ou omissão de cada administrador. Assim, (i) para o membro do conselho de administração “que toma conhecimento das transferências indevidas de recursos e manifesta-se pela aprovação das demonstrações financeiras, sem nenhum tipo de consideração ou questionamento”, a prescrição ocorreria cinco anos após a respectiva data de aprovação de cada demonstração financeira, ou (ii) para os diretores “que periodicamente dão execução ou tomam ciência da continuidade da execução das prestações decorrentes da obrigação de trato sucessivo”, a prescrição ocorreria cinco anos após a respectiva data de cada ato ou omissão; e
(b) já no caso do acionista controlador, que atuaria (ou se omitiria) de forma permanente em desvio de poder, se beneficiando continuamente em detrimento da Companhia, a prática seria de fato continuada e a prescrição encerrada somente cinco anos após a cessação da conduta irregular.
A identificação precisa do marco inicial para contagem da prescrição punitiva da CVM é, ressaltamos, matéria bastante relevante para a administração de companhias, pois traz maior segurança jurídica para aqueles que estão na gestão e tomam decisões dia após dia. Assim, ao entender aplicável a individualização temporal dos atos ou omissões mesmo quando se trata de contrato com obrigações de trato sucessivo (em vez de um enquadramento genérico de quaisquer tais atos ou omissões como infrações continuadas), o Colegiado reforça a posição de que o administrador ou acionista controlador pode ser responsabilizado somente por aqueles atos ou omissões aos quais efetivamente deu causa, seja por ação ou omissão.
Mais informações podem ser acessadas no site da CVM, no seguinte endereço: http://www.cvm.gov.br/decisoes/2020/20200414_R1/20200414_D0733.html
[1] Processo Administrativo CVM nº SP2016/0053.
[2] Vide decisão recente, de 5 de novembro de 2019, no âmbito do Processo Administrativo Sancionador CVM nº 13/2014, também de relatoria do Diretor Henrique Balduino Machado Moreira.