Ao ter de lidar com toda sorte de dificuldades criadas pelos impactos da pandemia da COVID-19, os administradores das companhias enfrentam não só o desafio imediato decorrente da tomada de decisão em cenário de ampla incerteza sobre as perspectivas econômico-financeiras de curto e médio prazo, mas também as possíveis consequências de processos decisórios inadequados.
Afinal, é de se esperar que os administradores tenham de tomar, neste complicado contexto, todo tipo de decisão relevante sobre os negócios da companhia – não só decisões reativas (e.g., interrupção ou redução de atividades e de funcionários, revisão de contratos cujo adimplemento se torne excessivamente oneroso para a companhia), mas também ativas (e.g., a realização de investimentos ou desinvestimentos já previstos para o período ou transações de oportunidade).
Via de regra e de forma bastante simplificada, o direito societário exige que os administradores ajam sempre em benefício dos interesses da companhia, com diligência (i.e., empregando o cuidado e diligência que um agente ativo e probo empregaria na administração dos seus próprios negócios) e lealdade (i.e., sem buscar benefícios ou vantagens próprias ou colocar-se em posição de conflito de interesses com a companhia).
Isto é, e sem prejuízo da análise de cada caso concreto e suas especificidades, desde que sua conduta seja diligente, leal e alinhada com os interesses da companhia, as decisões dos administradores não poderão ser questionadas pelos acionistas, tampouco lhes acarretarão qualquer responsabilidade em face desses ou da companhia – independentemente dos efetivos resultados de tais decisões, uma vez que o direito societário preocupa-se em regular o processo e não o resultado delas.
Usualmente, considera-se que tais deveres foram satisfeitos quando a administração demonstra a adoção de amplo processo decisório, com base inclusive em análises, avaliações e pareceres de prestadores de serviços especializados. Justamente aqui está a origem dos desafios impostos pela pandemia: como equilibrar, de um lado, a necessidade de decisões mais céleres e/ou enérgicas do que o usual, e, de outro lado, a observância desses deveres fiduciários sob pena de responsabilização pelos acionistas ou pela companhia?
A obtenção deste equilíbrio passa, em um primeiro momento, pela análise da estrutura de governança societária já prevista nos documentos societários da companhia: por exemplo, o que diz seu estatuto social, bem como eventuais acordos de acionistas ou regimentos de conselho de administração e/ou diretoria, sobre o processo decisório da administração.
Por exemplo, é comum que tais documentos contenham disposições específicas visando desburocratizar os procedimentos para convocação e deliberação no âmbito de reuniões do conselho de administração ou da diretoria (e.g., realização por videoconferência, envio de votos por escrito, prazos menores de convocação ou procedimentos para supri-los), o que pode ajudar a tomada de decisões com mais agilidade.
Adicionalmente, esses documentos podem prever que o conselho de administração ou a diretoria da companhia constituam comitês ou outros órgãos consultivos especificamente voltados à avaliação dos riscos envolvidos em operações. Ainda que as opiniões ou recomendações de tais órgãos não possuam caráter vinculativo, elas contribuem para demonstrar a atuação diligente da administração. Mesmo que tais disposições não existam nos documentos da companhia, a própria legislação societária autoriza a constituição de tais órgãos consultivos, que podem inclusive ter seu escopo de atuação limitado ao período em que se manifestarem os efeitos da pandemia da COVID-19 (algo como um comitê de crise, por exemplo).
Além das medidas acima, focadas em agilizar o processo decisório, a administração também pode optar por postergar decisões relevantes para um momento de maior certeza ou previsibilidade sobre as perspectivas da companhia e da economia global.
Nesse sentido, a Medida Provisória nº 931, de 30/3/2020 (promulgada justamente em função da pandemia), prorrogou o prazo para realização da assembleia geral ordinária para sete meses contados da data de encerramento do exercício social, em vez dos quatro meses previstos em lei – e.g., uma companhia cujo exercício social encerrou-se em 31/12/2019 poderá realizar sua AGO até 31/7/2020, e não 30/4/2020. Foi expressamente autorizada, ainda, a realização de assembleias gerais a distância ou semipresenciais, tanto para companhias fechadas quanto abertas (neste caso, observando-se também a Instrução CVM nº 622, de 17/4/2020).
Como a AGO é a ocasião na qual os acionistas deliberam, entre outros assuntos, sobre as contas do exercício anterior e a destinação de eventual lucro líquido, a lei societária exige da administração que publique, previamente, a documentação correlata (e.g., relatório de administração, demonstrações financeiras, parecer de auditoria independente), devendo apresentar também sua proposta de destinação do lucro líquido. É de se esperar, no entanto, que a administração prefira postergar a convocação e realização da AGO para uma data em que possa vislumbrar, com mais concretude, os impactos da pandemia sobre os negócios da companhia – afinal, a depender da magnitude de tais impactos, pode ser preferível, em vez de distribuir tal lucro aos acionistas, manter tais recursos na companhia para absorção de prejuízos ou conservação de caixa.
Na mesma linha, independentemente da data de realização da AGO, a administração pode recomendar aos acionistas que votem pela não distribuição de dividendos (com a consequente constituição de reservas destinadas a absorção de prejuízos), ainda que o estatuto social preveja dividendo mínimo obrigatório aos acionistas ou que a administração tenha recomendado, em momento anterior, sua distribuição. Ressaltamos que se trata de mera recomendação, cuja decisão final caberá sempre aos acionistas.
Concluímos reconhecendo que os desafios a serem enfrentados pelos administradores de companhias neste momento vão muito além de quaisquer implicações societárias, naturalmente. Nesse sentido, nosso objetivo com este artigo não é adicionar uma nova preocupação à já carregada lista de pontos de atenção de conselheiros e diretores, mas sim ressaltar, ainda que sob a forma de um panorama geral, certas medidas e apontamentos que podem auxiliá-los na busca do delicado equilíbrio a que nos referimos acima.