O processo de tomada de decisões em uma sociedade na qual nenhum sócio detém, de forma isolada, o poder de controle, é tema de grande relevância no direito societário. Em sociedades nas quais o controle é compartilhado, não é raro que se atinja um impasse de difícil ou impossível superação com relação a temas fundamentais para a condução dos negócios da sociedade.
Nesse sentido, a definição de soluções contratuais para resolução de tais impasses, usualmente em acordo de sócios ou acionistas, é assunto sensível. A prática jurídica desenvolveu diferentes mecanismos contratuais para essa situação, cada qual com vantagens e desvantagens. A título exemplificativo: (a) a possibilidade de exercício de opção de compra ou venda por algum dos sócios, forçando a saída de um dos sócios da sociedade; (b) a obrigatoriedade de alienação conjunta, pelos sócios a terceiro, da totalidade do capital da sociedade, por preço mínimo a ser indicado no acordo de sócios ou definido por avaliador independente; e (c) as chamadas cláusulas “buy or sell”, em que um dos sócios define o preço por ação e compromete-se, a exclusivo critério do outro sócio, a alienar sua participação ao outro sócio, ou adquirir a participação do outro sócio, por tal preço.
Nos parece, no entanto, que mais do que o mecanismo contratual em si, é sua customização à realidade dos sócios e da sociedade que irá determinar sua real utilidade às partes.
Em primeiro lugar, é importante que a própria definição de impasse, para fins de aplicação de tais mecanismos, seja restrita e limitada a divergências sobre diretrizes fundamentais da relação de sociedade. É natural que sócios de origens, experiências e culturas diferentes também guardem visões diferentes sobre a condução dos negócios da sociedade, e tende a ser temeroso elevar quaisquer divergências sobre assuntos do dia-a-dia ao nível de impasse societário. Idealmente, somente aqueles assuntos de maior relevância, cuja solução amigável não seja atingida em reiteradas deliberações, deveriam ser considerados para tanto.
Ainda, como acontece em contratos cujos efeitos se perpetuam por vasto período, a expectativa de longa duração da relação entre os sócios confere complexidade adicional ao correspondente acordo: a assimetria temporal causada pela necessidade de definir, no presente, os direitos e obrigações que deverão reger a relação futura dos contratantes, impossibilita a criação de mecanismos plenamente eficientes (i.e., aqueles mecanismos que seriam efetivamente negociados entre as partes à época de verificação de um impasse).
Dessa forma, é importante que a estruturação do acordo respeite as especificidades de cada relação de sócios, a fim de mitigar a possibilidade de comportamento oportunista e ineficiente das partes quando do acionamento do mecanismo.
Além da necessária segurança jurídica que permitirá que suas previsões sejam levadas a cabo (se e conforme necessário), o principal indicador da eficiência de um mecanismo de resolução de impasse é o incentivo que oferece, aos sócios, para que adotem comportamentos colaborativos que os permitam atingirem, por conta própria, soluções mutuamente satisfatórias.
Tal incentivo é diretamente proporcional ao quão crível é o efetivo acionamento do mecanismo[1], o que, por sua vez, também depende de sua cuidadosa estruturação a fim de que o resultado final seja o mais equitativo possível (i.e., o mais próximo de um hipotético resultado que as partes negociariam à época do impasse). Além disso, quanto mais desproporcionalmente favorável a um dos sócios for o resultado do acionamento do mecanismo, maior a possibilidade de seu questionamento por tratamento desigual das partes, podendo inclusive ser configurada sua ilicitude por força do artigo 187 do Código Civil[2].
Mesmo mecanismos amplamente adotados pelos mercados nacional e internacional (o que pode ser interpretado como sinal de confiança dos agentes de mercado na eficiência de tais mecanismos), oferecem amplo espaço para personalização e adequação às especificidades de cada relação de sócios. Por exemplo, se o mecanismo do “buy or sell” busca implementar a lógica do “fair cake-cutting”, pode ser importante identificar, já no acordo de sócios, qual o único sócio que será responsável pela definição do preço por ação (i.e., quem divide os pedaços do bolo); ou, se o mecanismo for a alienação conjunta da sociedade a um terceiro, vale definir qual dos sócios será responsável pela efetiva condução e negociação dos documentos correspondentes, ou os critérios para a justa determinação do preço por ação por um avaliador independente.
Em seu papel de engenheiro de custos de transação e de alocação de riscos, é essencial que o assessor jurídico envolvido na negociação de tais mecanismos tenha a sensibilidade de entender a relação de sócios em detalhes para propor tal customização. É justamente aí que o advogado genuinamente gera valor a seu cliente.
[1] Na literatura especializada da teoria dos jogos, uma ameaça (ou promessa) crível por um jogador é a única que tem o potencial de induzir os demais jogadores a tomarem medidas mais conciliatórias ou que vão ao encontro das ações do primeiro.
[2] “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.