O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concedeu, na primeira reunião de 2020, dispensa de requisito normativo em processo envolvendo o Santander Infraestrutura Incentivado – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios I (Santander FIDC) e o Santander Infraestrutura Incentivado – Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Santander FIC-FIDC), além de reiterar e esclarecer posicionamentos adotados em casos julgados anteriormente (Processo SEI 19957.009481/2019-66).
O primeiro requisito normativo tratado no pedido de dispensa foi concernente à vedação de aquisição de direitos creditórios cedidos ou originados pelos prestadores de serviços do Santander FIDC ou por partes a eles relacionadas (artigo 39, §2º, da Instrução CVM nº 356/01). No caso em questão, o Santander FIDC tem como principal objeto de investimento debêntures de infraestrutura. O pedido apresentado ao Colegiado foi para que se autorizasse que tais debêntures pudessem ser distribuídas pelo administrador, gestor ou custodiante do Santander FIDC, bem como por suas partes relacionadas.
De acordo com a decisão do Colegiado, que ratificou manifestação da área técnica, a intermediação da oferta de ativos que venham a ser adquiridos por um FIDC não se caracteriza como “cessão” ou “originação” de direitos creditórios, o que afasta a aplicação de tal vedação normativa ao caso. Para tanto, de acordo com a decisão, é essencial que o intermediário não adquira os direitos creditórios objeto da oferta para posterior alienação ao FIDC. Não houve, portanto, uma dispensa de requisito pelo Colegiado, mas sim a interpretação de disposição normativa que pode ser adotada por administradores e gestores de FIDC em casos semelhantes. Note-se que o Colegiado, no Processo CVM nº RJ-2012-7141, já havia manifestado esse mesmo entendimento, o qual foi melhor esclarecido na decisão sob análise.
Foi apresentada, no pedido de dispensa, a intenção de se constituir outros FIDC que teriam o mesmo administrador e gestor do Santander FIDC, e o Santander FIC-FIDC como cotista exclusivo. Diante desse contexto, foi solicitada dispensa ao Colegiado da vedação de se realizar a negociação de direitos creditórios entre partes relacionadas, de modo a permitir que tais FIDC pudessem negociar ativos entre si. O Colegiado, assim como em precedente análogo (Processo SEI 19957.007865/2017-82), concedeu a dispensa. A decisão foi fundamentada no fato de inexistir, no caso concreto, o possível conflito de interesses que a norma busca evitar, uma vez que a propriedade dos ativos a serem transacionados pertenceriam indiretamente ao mesmo cotista exclusivo, o Santander FIC-FIDC.
O Colegiado também reconheceu a possibilidade de emissão de novas cotas por FIDC ou FIC-FIDC sem a necessidade de realização de assembleia geral de cotistas, desde que observadas as regras e limites estabelecidos no respectivo regulamento. No caso do Santander FIC-FIDC, existe a previsão de um “patrimônio autorizado”, dentro do qual novas emissões de cotas não dependem de aprovação por assembleia de cotistas, o que foi entendido como regular pelo Colegiado.
Também nesse caso, não houve uma dispensa de observância de requisito normativo. O Colegiado apenas confirmou que a Instrução CVM nº 356/01 permite que o regulamento do FIDC disponha sobre os requisitos para emissão de novas cotas. Não há, especificamente para esse tema, aplicação subsidiária do disposto na Instrução CVM nº 555/14, que exige que emissões de novas cotas de fundos fechados sejam aprovadas previamente em assembleia de cotistas (artigo 66, VI).
A decisão do Colegiado aqui tratada é um bom indicativo da abertura da CVM para debater a flexibilização de certas restrições impostas pela Instrução CVM nº356/01. Tal debate deve ocorrer de forma ainda mais ampla e intensa na aguardada audiência pública da nova norma que regulará os FIDC.