Conforme amplamente noticiado, no início de fevereiro, foram criadas restrições para a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (“CRI”) e de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”). Essas restrições foram trazidas pela Resolução CMN nº 5.118, de 1º de fevereiro de 2024, e devem impactar o mercado de forma significativa.
Os CRI e os CRA são isentos de tributação quando investidos por pessoas físicas, o que os tornam bastante atrativos. Ainda, em um passado relativamente recente, o Colegiado da CVM interpretou o conceito de créditos imobiliários e de créditos do agronegócio de forma ampla[1], o que possibilitou que empresas não integrantes dos setores imobiliário e do agronegócio realizassem captações por meio de emissões CRI e/ou de CRA. Esse cenário fomentou um enorme crescimento das emissões desses títulos nos últimos anos. Conforme o anuário de 2023 do UQBAR, o volume de emissões de CRI ao ano passou de R$ 9,42 bilhões em 2018 para R$ 51,41 bilhões em 2022, enquanto o volume de emissões de CRA passou de R$ 6,69 bilhões em 2018 para R$ 43,56 bilhões em 2022.[2]
Conforme esclarecido na exposição de motivos, o objetivo da nova norma é que os recursos captados por meio da emissão de CRI e CRA passem a ser direcionados prioritariamente para os setores imobiliário e do agronegócio, cumprindo, assim, os fins para os quais foram criados. Para atingir esse objetivo, a Resolução CMN nº 5.118/24 passou a vedar que CRI e CRA possuam como lastro:
(a) títulos de dívida cujo emissor, devedor, codevedor ou garantidor seja (1) companhia aberta ou parte relacionada a companhia aberta, exceto se mais de 2/3 da receita consolidada, apurada com base nas demonstrações financeiras do último exercício social publicadas, da companhia aberta for decorrente do setor imobiliário, no caso dos CRI, ou o agronegócio, no caso dos CRA; ou (2) instituição financeira ou entidade autorizada a funcionar pelo BACEN, ou suas partes relacionadas (“Instituições Autorizadas”); ou
(b) direitos creditórios (1) oriundos de operações entre partes relacionadas; ou (2) decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas.
No contexto da emissão de CRI e CRA, também foram vedadas operações de cessão, endosso e ofertadas a subscrição em que as instituições e as companhias descritas acima retenham quaisquer riscos e benefícios. É possível que se caracterize a retenção de riscos e benefícios, por exemplo, caso a cedente venha a adquirir CRI ou CRA que se subordinem aos demais emitidos pela securitizadora para fins de distribuição de resultados, amortização ou resgate.
A vedação que estabelece que CRI e CRA não pode ter como lastro direitos creditórios oriundos de operações entre partes relacionadas ou decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas afeta, indistintamente, qualquer sociedade. As demais restrições, porém, não afetam as companhias fechadas e sociedades limitadas que não sejam Instituições Autorizadas ou partes a elas relacionadas.
A Resolução CMN nº 5.118/24 não se aplica aos CRA e aos CRI que, em data anterior à 2 de fevereiro de 2024, já tenham sido: (a) devidamente distribuídos; ou (b) objeto de requerimento de registro de distribuição perante a CVM, nas ofertas de distribuição pública. Eventuais prorrogações de prazo para os CRI e CRA já distribuídos devem respeitar o disposto na Resolução CMN nº 5.118/24.
Tendo-se em vista que parte significativa das emissões de CRI e CRA realizadas em 2023 contavam com lastro que foi vedado pela Resolução CMN nº 5.118/24, é provável que a trajetória de crescimento anual das emissões de CRI e CRA seja interrompida no exercício de 2024.
[1] Esses temas foram tratados em informativos anteriores: “Decisão da CVM compatibiliza conceito de crédito imobiliário” e “Caso Burger King: o que muda em relação aos lastros de CRA e CRI?”.
[2] O anuário de 2023 do UQBAR pode ser consultado no seguinte link: https://uqbar.com.br/anuarios