Acionista controladora acusada de abuso do poder de controle por ter vinculado votos dos membros do conselho de administração indicados por acionistas minoritários é absolvida pela CVM

A CVM absolveu, em Processo administrativo sancionador recente[1], acionista controladora de companhia aberta acusada de abuso de poder de controle por utilizar estrutura societária que a permitiu vincular o voto de membros do conselho de administração indicados por acionistas minoritários à sua orientação de voto.

A companhia em questão tinha três acionistas, sendo um deles a acionista controladora acusada e outros dois acionistas minoritários, ambos com participações relevantes embora minoritários. Um dos acionistas minoritários da companhia era um fundo de investimento em participações (“FIP”) que, por sua vez, era detido por três cotistas, sendo um cotista majoritário com pouco mais de 50% e o restante das cotas dividido entre os dois cotistas minoritários. Ocorre que o cotista majoritário do FIP era um veículo de investimento da acionista controladora acusada. Portanto, além de deter diretamente uma participação majoritária na companhia, a acusada também tinha uma participação indireta relevante na companhia, por meio do FIP.

Dos termos do acordo de acionistas da companhia e do acordo de cotistas do FIP, resultava que cada um dos cotistas minoritários do FIP teria direito de eleger um membro do conselho de administração da companhia. No entanto, os documentos que formalizavam essa estrutura, também estabeleciam que os dois conselheiros indicados pelos cotistas minoritários do FIP deveriam votar nas reuniões do conselho de administração da companhia de acordo com a decisão tomada pelo comitê de orientação de voto do FIP.

Ocorre que, em regra, as decisões do comitê de orientação de voto do FIP eram tomadas pelo voto favorável dos titulares da maioria das cotas do FIP, sendo que o veículo de investimento da acionista controladora da companhia atendia sozinha a esse requisito. Por isso, a acusação entendeu que tal estrutura permitiu à controladora da companhia definir o sentido dos votos dos conselheiros indicados pelos minoritários e desconsiderar suas opiniões em reunião do conselho de administração realizada em 2016.

Para a área técnica da CVM, o exercício de tal poder de ingerência pela controladora caracterizaria exercício abusivo do poder de controle, nos termos do artigo 117 da Lei das S.A.,[2] por impedir a participação desses conselheiros na administração da companhia, subordinando os interesses da companhia à sua vontade.

Após análise dos argumentos apresentados pela acusação, o relator comentou primeiro sobre a priorização da autonomia da vontade das partes na disciplina legal dos acordos de acionistas, o que permite que os acionistas definam os termos de tais acordos com boa margem de discricionariedade e ressaltou que a CVM tem interpretado a lei de acordo com tal entendimento.

Embora não fosse objeto da decisão opinar sobre a validade dos acordos celebrados, o relator ressaltou que a livre negociação e celebração de acordos de acionistas, por partes que manifestem suas vontades regularmente, sem incidir em vícios que comprometam a eficácia ou a validade do negócio jurídico, deverá resultar necessariamente em arranjo contratual plenamente válido e apto a produzir os efeitos pretendidos.

Depois, o relator passa a discutir a vinculação do voto dos membros do conselho de administração, indicados nos termos do acordo de acionistas, à vontade dos próprios acionistas expressa em tais acordos e/ou em reuniões prévias, e os eventuais limites de tal vinculação. Essa era uma questão central daquele processo, pois a acusação sustentava que os acordos celebrados naquele caso estabeleciam uma vinculação que superava os limites legais, e que daí decorria o alegado exercício abusivo do poder de controle por parte da acusada.

Nesse sentido, embora esse seja entendimento amplamente pacificado, lembrou que acordos de acionistas podem vincular não apenas o voto de seus signatários ao que foi acordado previamente, mas também vincular o voto de conselheiros eleitos nos termos de tais acordos, conforme autorizado pelo artigo 118 da Lei das S.A.[3], caso em que os conselheiros deverão exercer seu voto nas assembleias gerais ou reuniões de conselho de administração, respectivamente, nos termos previamente pactuados.

No caso, o relator rejeitou a alegação de que a vinculação de voto dos conselheiros indicados pelos acionistas minoritários impediria a participação de tais conselheiros na administração da companhia, ao esclarecer que esses não estão impedidos de participar das discussões, fiscalizar a gestão da diretoria e nem de votar de acordo com suas próprias convicções e em cumprimento de seus deveres legais.

Aliás, o colegiado já se manifestou no sentido de que os conselheiros têm autonomia para avaliar e manifestar ou não a orientação de voto recebida dos acionistas, que não é afastada pela sua vinculação a acordo de acionistas. Os parágrafos 8º e 9º do artigo 118 da Lei das S.A., como exemplo, oferecem remédios justamente para as situações nas quais os administradores optam voluntariamente por contrariar as orientações recebidas.

Apesar de não ter indicado limites para a vinculação do voto de conselheiro por acordo de acionistas, a decisão esclareceu que um conselheiro poderá eventualmente votar em uma deliberação de forma contrária à orientação recebida nos termos de acordo de acionistas arquivado na sede da companhia ao qual está vinculado, quando, por exemplo, entender que tal orientação é contrária às suas convicções ou a seus deveres legais. Porém, nesse caso, o presidente da reunião não deverá computar tal voto para fins de aprovação da matéria sendo discutida, de acordo com o disposto no artigo 118 da Lei das S.A.

Com base nas razões apresentadas, o relator votou pela absolvição da acionista controladora acusada, ressaltando que a acusação não trouxe elementos fundamentos suficientes para a condenação da controladora por abuso do poder de controle, sendo o voto acompanhado pelos demais integrantes do colegiado.

 

 

[1] Processo Administrativo Sancionador CVM SEI nº 19957.011341/2018-77

[2] Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.
§1º São modalidades de exercício abusivo de poder:
a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.
§2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.
§3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

[3] Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.
§1º As obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos.
§2° Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117).
§3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.
§4º As ações averbadas nos termos deste artigo não poderão ser negociadas em bolsa ou no mercado de balcão.
§5º No relatório anual, os órgãos da administração da companhia aberta informarão à assembleia-geral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia.
§6° O acordo de acionistas cujo prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações.
§7° O mandato outorgado nos termos de acordo de acionistas para proferir, em assembleia-geral ou especial, voto contra ou a favor de determinada deliberação, poderá prever prazo superior ao constante do § 1o do art. 126 desta Lei.
§8° O presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado.
§9° O não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada.
§10. Os acionistas vinculados a um acordo de acionistas deverão indicar, no ato de arquivamento, representante para comunicar-se com a companhia, para prestar ou receber informações, quando solicitadas.
§11. A companhia poderá solicitar aos membros do acordo esclarecimento sobre suas cláusulas.

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