A legislação brasileira proíbe o pacto comissório, isto é, o acordo que autoriza o credor a ficar com o bem dado em garantia caso a dívida não seja paga até o vencimento[1]. A referida proibição está prevista nos artigos 1.365 e 1.428, ambos do Código Civil[2], que atribui às disposições do pacto comissório o gravíssimo efeito da nulidade, impedindo-as de produzirem qualquer efeito desde o momento de sua estipulação.
Vale ressaltar que os tribunais também têm rejeitado estruturas mais criativas que, ao final, tenham o mesmo efeito do pacto comissório, como aquelas que, para isso, utilizam opções de compra e pactos de retrovenda. Da mesma forma, também não têm tido sucesso no judiciário argumentações em favor da estipulação que sejam baseadas em alegada razoabilidade entre o valor da dívida e o valor do bem dado em garantia no momento da contratação.
É um entendimento quase unânime que a incisiva proibição do pacto comissório tem como principais objetivos: (i) a proteção do devedor, em particular contra práticas usuárias, em um momento em que é provável que já se encontre em situação de maior fragilidade; e (ii) e a preservação do princípio da par conditio creditorum. O princípio da par conditio creditorum é aquele segundo o qual os credores devem ser tratados de maneira equitativa, não podendo o devedor privilegiar qualquer um deles em detrimento dos demais. Em resumo, o pacto comissório possibilitaria a subtração desproporcional e indevida de bens do patrimônio do devedor em prejuízo do próprio devedor e dos demais credores dele, sendo isso o que se busca evitar.
Importante destacar que o próprio Código Civil traz uma alternativa válida ao pacto comissório, que é a possibilidade de, após vencida a dívida, o devedor entregar a coisa em pagamento se o credor a aceitar, hipótese em que estaria configurada uma dação em pagamento. Ocorre que essa hipótese, por conta do momento em que ela se dá, permite uma maior clareza sobre eventual desproporcionalidade entre o saldo da dívida e o valor do bem dado em pagamento na data da dação, o que consequentemente evita prejudicar o devedor e os demais credores do devedor.
Duas outras alternativas ao pacto comissório já testadas pela jurisprudência vão no mesmo sentido: (i) a possibilidade de apropriação definitiva do objeto da garantia pelo credor nos casos em que esse objeto já está nominado em dinheiro; e (ii) o pacto marciano.
A primeira alternativa, consiste na entrega de bens em garantia que sejam facilmente quantificados em dinheiro quando do eventual inadimplemento da dívida principal, como, por exemplo, títulos financeiros emitidos pelo governo ou bancos ou valores mobiliários negociados em mercado de capitais que tenham boa liquidez. Nesses casos, não se apresenta o risco de ficar encoberta a desproporção entre o montante da dívida e o valor de mercado do bem dado em garantia e, portanto, não haveria prejuízo aos objetivos da proibição em comento.
Já o pacto marciano é o acordo que autoriza o credor a ficar com o bem dado em garantia desde que esse bem seja avaliado por terceiro independente, após o vencimento da dívida e, ainda, o credor se comprometa a pagar ao devedor a quantia que sobejar o valor da dívida, se houver. Assim como no caso anterior, aqui há elementos que evitam a chance de um prejuízo ao devedor e aos demais credores em razão de desproporção entre o valor do bem e o saldo da dívida. É exatamente por isso que o pacto marciano tem sido considerado válido no Brasil e em vários outros ordenamentos jurídicos.
Portanto, vimos que existem alternativas viáveis à estipulação do pacto comissório que possibilitem que o credor fique com a coisa dada em garantia de forma válida, ainda que contratadas antes do vencimento da dívida. No entanto, essas estruturas alternativas não estão plenamente livres de riscos – incluindo o risco de serem consideradas nulas, por sua semelhança com o pacto comissório -, o que torna imprescindível uma análise do caso concreto a fim de que se possa formular as disposições do contrato da melhor forma para atingir o resultado pretendido pelas partes em conformidade com a lei.
[1] Nessa hipótese, para satisfazer seu crédito, o credor deverá recorre ao judiciário para promover a competente execução judicial ou, caso o tipo de garantia outorgada permita, como é o caso da alienação fiduciária, valer-se do procedimento de execução extrajudicial previsto em lei, que inclui a necessidade de realizar leilão público para realizar a venda do bem e cujo resultado seria utilizado para saldar a dívida.
[2] Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.
Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.