A aquisição de controle em companhia aberta de capital pulverizado: há obrigação de realização de oferta pública de ações aos acionistas remanescentes?

Recentemente, em função de movimentações no mercado internacional, especialmente em função da possível oferta para aquisição pelo fundo de investimentos internacional KKR&Co. do controle da Telecom Italia (indiretamente, acionista majoritária da TIM Brasil), surgiu novamente na mídia brasileira discussão a respeito de eventual obrigatoriedade de realização de Oferta Pública de Aquisição de Ações (“OPA”) aos demais acionistas em casos de aquisição de controle de companhia sem controle definido, ou seja, com capital pulverizado no mercado.

A discussão gira em torno das hipóteses em que a OPA é obrigatória segundo os requisitos legais, principalmente nos termos do art. 254-A da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“LSA”).

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.”

O controle nas companhias brasileiras é definido no artigo 116 da LSA, que exige que o acionista controlador (ou grupo de acionistas) seja (a) titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (b) use efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Devido ao poder de influência exercido por acionista controlador dentro da companhia, a lei criou um mecanismo de proteção aos acionistas minoritários em situações de alienação de controle, isto é, o disposto no art. 254-A, que oportuniza a saída de minoritários por conta da troca de controle, mediante compensação em razão de sua saída.

Assim, com a alienação do controle direto ou indireto da companhia, o novo controlador fica obrigado a realizar oferta pública de aquisição, também denominada de tag along pela doutrina, para adquirir as ações detidas pelos acionistas minoritários que desejem retirar-se da companhia, devendo atingir o preço de, no mínimo, 80% do valor por ação pago pelos alienantes aos controladores anteriores.

No entanto, nas opiniões vistas na mídia nestas últimas semanas, houve divergência acerca da aplicabilidade do disposto no mesmo artigo 254-A da LSA para os casos de aquisição por terceiro de controle das companhias que não possuam, previamente a referida aquisição, seu grupo de controle devidamente formado, seja em razão de companhia que tenha seu capital pulverizado entre muitos acionistas, em que não haja acionista ou grupo de acionistas com poder de fato que configure controle societário, ou até mesmo por conta da existência de sociedades controladoras estrangeiras, quando as normas do país de origem indicarem por sua vez a inexistência de um controlador definido destas.

Aqui vale adiantar de pronto, na intenção de contribuir para o esclarecimento da questão, que o entendimento consolidado pela CVM em casos como esse é que o artigo 254 – A da LSA não seria aplicável, na medida em que não haveria “alienação” de controle, pois não haveria controle societário pré-existente para se alienar. O que estaria ocorrendo, na terminologia apropriada, seria a “aquisição originária” de controle da companhia, ou seja, a formação de um controle original, portanto previamente não existente[1].

Sem prejuízo do entendimento acima, parece-nos ainda pertinente a pergunta sobre se os acionistas que não fossem vendedores na operação de aquisição originária de controle não mereceriam ser de alguma forma protegidos também por uma OPA, dado que antes estariam numa estrutura sem controlador definido, tida como mais democrática, passando após a aquisição originária de controle a ser minoritários em uma estrutura com um controlador definido.

Embora a discussão tenha mérito e tenha respaldo de parte da doutrina como algo que poderia ser melhorado no que diz respeito à legislação aplicável, ainda parece neste momento que a manutenção do entendimento histórico da CVM quanto a esse caso parece ter ainda razão, dado que fazer uma interpretação tão extensiva de um texto tão literal com o do artigo 254 – A da LSA, estendendo-o para casos de aquisição originária de controle (em vez da simples alienação de controle pré-existente), poderia gerar insegurança jurídica quanto à forma de interpretação das normas pela autarquia.

Isso, no entanto, não afasta a possibilidade de que este assunto venha a ser mais debatido no futuro e alterações legislativas venham a ser oportunamente sugeridas para aumentar a proteção dos acionistas remanescentes em casos como esse.

 

[1] Nesse sentido, fazemos referência ao Processo Administrativo CVM nº RJ-2007-14099, julgado em 29/01/2008, de relatoria do Diretor Durval Soledade, que analisou o caso da ABN Amro Arrendamento Mercantil S.A. e da Real Leasing S.A. Arrendamento Mercantil. Disponível em: http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/0004/5801-0.pdf

 

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