Após prorrogação concedida em 4 de dezembro de 2024, encerrou-se, nesta quarta-feira (18), a Consulta Pública SDM nº 01/024[1] (“Consulta Pública”), publicada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) em 11 de setembro de 2024. A Consulta Pública propõe a criação do regime de “Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens” (“FÁCIL”), ambiente regulatório instituído em caráter experimental com o objetivo de simplificar e flexibilizar o acesso ao mercado de capitais para companhias de menor porte (“CMP”).
O regime proposto pela CVM tem como objetivo promover o uso do mercado de capitais como uma ferramenta de captação de recursos para empresas situadas em uma faixa intermediária entre o crowdfunding de investimentos e o mercado tradicional de valores mobiliários. Nas palavras do diretor da CVM, João Pedro Nascimento, “a ideia é facilitar a listagem de tal maneira que a gente consiga aumentar o número de companhias abertas registradas no Brasil e, em paralelo, estimular que elas façam ofertas públicas de valores mobiliários”. A iniciativa busca, portanto, oferecer uma alternativa competitiva, com custos e burocracias minoradas para as companhias de menor porte no país.
Nos termos do FÁCIL, como enquadramento para usufruir das condições facilitadas, deverão as companhias obter a classificação específica de CMP, cumulativamente às suas respectivas categorias (A ou B)[2]. Assim sendo, podem credenciar-se ao FÁCIL as sociedades que: (a) tenham receita bruta anual de até R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais)[3]; (b) estejam listadas em mercado organizado de valores mobiliários; (c) encontrem-se em estágio operacional; e (d) obtenham anuência prévia dos titulares de valores mobiliários em circulação – em caso de emissor já registrado[4].
Adicionalmente, as novidades e flexibilizações propostas na Consulta Pública para o FÁCIL – previstas tanto em âmbito legal quanto infralegal – são, em resumo:
- Registro automático: As CMPs poderão obter o registro de emissor de forma automática após a análise prévia de seu pedido de listagem pela administradora do mercado organizado, a qual também examinará os documentos exigidos pela Resolução CVM n° 80, mas com exigências reduzidas;
- Ofertas públicas: O formulário FÁCIL incluirá seções específicas para ofertas, sendo admitidas quatro modalidades destas, com diferentes requisitos a serem observados, permitindo a substituição do prospecto e da lâmina previstos na Resolução CVM n° 160 a depender do grau de complexidade, especialmente no que diz respeito aos destinatários e valor das ofertas,[5];
- Assembleias simplificadas: As CMPs poderão realizar assembleias sem a necessidade de seguir as regras de voto à distância, reduzindo o ônus regulatório atrelado à organização das reuniões;
- Formulários simplificados: As empresas que pretenderem se cadastrar no FÁCIL poderão utilizar modelo específico de formulário, que consiste em versão simplificada do formulário de referência padrão;
- Dispensa da apresentação de informações contábeis trimestrais (ITR): As companhias poderão divulgar informações contábeis semestrais, em substituição às trimestrais, por meio de formulário (ISEM) com conteúdo similar ao ITR; e
- Cancelamento de registro: Continua sendo necessária a realização de oferta pública de aquisição de ações (OPA), mas o percentual de aprovação exigido passa a ser de 50% das ações em circulação, em vez de 2/3.
De forma geral, a iniciativa do FÁCIL tende a descomplicar o acesso de companhias de menor porte aos mercados financeiro e de capitais, o que é relevante considerando o atual estágio do mercado acionário brasileiro, caracterizado por um percentual considerável de empresas de capital pouco disperso, e por um número restrito de companhias listadas em mercados organizados – comparativamente a países com mercados de capitais mais robustos. Neste sentido, a medida ainda pode ser benéfica para uma potencial retomada de IPOs e follow-ons no Brasil, o que também seria importante, dado que a última abertura de capital se deu em agosto de 2021.
Com o fim da consulta pública, é esperada, para o próximo ano, a divulgação do relatório com as manifestações dos participantes do mercado recebidas pela CVM, o que será essencial para entender a receptividade às flexibilizações sugeridas. Nos termos apresentados na Consulta Pública, a iniciativa parece adequada à democratização e ao desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, observando um equilíbrio entre a simplificação e redução de custos de observância regulatória e segurança e responsabilidade normativa.
[1] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2024/sdm0124.html.
[2] Assim, é possível haver emissores da categoria A e classificados como CMP e emissores da categoria B classificados como CMP, assim como emissores das categorias A ou B que não tenham essa classificação.
[3] Lei 6.404/76, art. 294-B. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se companhia de menor porte aquela que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais).
[4] O racional é o de que aqueles que já são titulares de valores mobiliários seriam os principais beneficiários das obrigações de prestação de informações que a regulação impõe aos emissores.
[5] As CMPs podem ofertar: (i) captações acima de R$ 300.000.000,00, seguindo a RCVM n° 160; (ii) usar o formulário FÁCIL para ofertas até R$ 300.000.000,00; (iii) dispensar coordenador para ofertas de dívida, destinadas a investidores profissionais, com limite de R$ 300.000.000,00 a cada 12 meses; e (iv) ofertas de dívida para investidores profissionais, com revenda restrita a essa categoria de investidor, podendo dispensar auditoria com termo de ciência e responsabilidade.