O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no âmbito dos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.837.538/SP[1], estabeleceu novos contornos para a disciplina do direito de venda conjunta (tag along), inovando em relação ao posicionamento tradicionalmente adotado pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
O tag along, previsto no artigo 254-A[2] da Lei nº 6.404/76 (“LSA”), consiste, em síntese, no direito dos acionistas minoritários de, em caso de alienação de posição de controle, vender as próprias ações, em condições próximas àquelas oferecidas pelo adquirente ao detentor do controle.
Ocorre que a forma para operacionalização do tag along sempre gerou fortes dúvidas. A princípio, a regra seria: em caso de alienação de controle de companhia aberta, ativa-se o gatilho da oferta pública de ações para aquisição das ações com direito de voto de propriedade dos acionistas minoritários, sendo assegurado a estes um preço mínimo correspondente a 80% do valor pago pelas ações do bloco de controle. Porém, o entendimento consolidado da CVM sobre o assunto é o de que, sendo o controle exercido não individualmente, mas por um grupo, apenas haverá o direito ao tag along se a alienação abranger mais da metade das ações integrantes do bloco.
De acordo com a posição prevalente na CVM, se o bloco de controle de uma companhia abranger, por exemplo, 80% das ações com direito de voto, e um dos integrantes desse bloco, detentor de 30% das ações, decidir alienar a totalidade de sua participação a terceiro, o mecanismo do artigo 254-A não seria ativado, já que não haveria a transferência de mais da metade das ações que integram o bloco de controle. Portanto, não haveria a necessidade de oferta pública de ações e nem direito ao tag along pelos minoritários.
Entretanto, o STJ, no âmbito do recurso especial citado acima, decidiu que, se verificada, no caso concreto, modificação substancial do bloco de controle – vale dizer, alterações significativas na estrutura política da companhia – ainda que não em margem superior à maioria interna do grupo de controle, haverá o direito de venda conjunta em favor dos acionistas minoritários.
Entre os argumentos utilizados, destaca-se o de que a titularidade do controle é situação de fato, de forma que “[a] quantidade de ações detidas por um titular é apenas um dos elementos que podem outorgar-lhe esse status, mas a avaliação puramente escritural é insuficiente”. Com isso, seria fundamental uma análise casuística das deliberações de uma companhia e de sua gestão. Ainda, de acordo com o RESP, deve-se “analisar os elementos sob a ótica consequencial, avaliando se a transmissão das ações efetivamente ocasionou a troca do comando político da sociedade anônima, ainda que por meio de atos sucessivamente concatenados, exame que se verifica no plano empírico, e não puramente formal-quantitativo das ações transmitidas”.
No caso concreto objeto do julgado, foi reconhecida a alienação de controle por etapas (multistep acquisition), o que modificou, de forma relevante, as decisões do grupo de controle e a gestão da companhia, alterando a configuração do centro de poder da empresa. Não houve “mera alteração subjetiva, sem mudança relevante, dentro do bloco de controle”, mas sim efetiva transferência do controle acionário, de modo a atrair a aplicação do artigo 254-A da LSA e, consequentemente, a incidência do direito dos acionistas minoritários ao tag along.
A nova posição do STJ acende um alerta sobre negócios envolvendo ações de companhia aberta. Caso se consolide tal entendimento, a mera aferição da quantidade de ações alienadas não será suficiente para fins de verificação da necessidade de oferta pública de ações e isso traz novas preocupações para potenciais reorganizações societárias.
[1] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201900428671&dt_publicacao=25/06/2024.
[2] Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
§1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.”