Igualmente importante ao direito de entrar em uma sociedade é o direito de sair dela. Não à toa, ambos estes direitos são garantidos pela Constituição Federal[1]. Entretanto, a depender do tipo societário de uma empresa, a saída do quadro de sócios pode ser mais ou menos flexível, e deve ser analisada com cautela.
Os tipos societários empresariais previstos no ordenamento jurídico brasileiro podem ser divididos entre sociedades de pessoas e de capitais. A qualificação como uma sociedade de pessoas ou de capitais está atrelada à relevância/valorização da pessoa dos sócios. Assim, sociedades de pessoas são aquelas em que os sócios possuem importância decisiva, enquanto nas sociedades de capitais são mais relevantes suas contribuições patrimoniais.
Destacam-se, como as mais utilizadas, as sociedades limitadas e as anônimas, qualificadas, respectivamente, como de pessoas e de capitais. No primeiro tipo societário, existem restrições legais à negociação de quotas com terceiros, sendo necessária a anuência de sócios que representem pelo menos ¾ do capital social, salvo previsão diversa no contrato social da empresa. Já nas sociedades anônimas é assegurada a livre negociabilidade das ações, o que confere, pelo menos do ponto de vista legal, flexibilidade para se dissociar de uma companhia.
Em uma sociedade limitada, seria possível que um quotista jamais conseguisse se retirar, na medida em que depende da anuência de outros sócios para ceder suas quotas. Numa sociedade anônima, um acionista poderia enfrentar dificuldades para alienar sua participação, especialmente se as ações de emissão da companhia não tiverem boa liquidez. Por tais razões, a lei cuidou de determinar hipóteses para que sócios consigam efetuar sua retirada, recebendo o reembolso do valor de suas ações ou seus haveres.
No caso das sociedades limitadas, existem dois dispositivos aplicáveis ao direito de retirada: os arts. 1.029[2] e 1.077[3] do Código Civil, que determinam, respectivamente, a possibilidade (a) de retirada imotivada, em sociedades de prazo indeterminado, mediante envio de notificação com 60 dias de antecedência, e (b) de retirada motivada em determinadas situações, mesmo no caso de sociedades por prazo determinado (alteração do contrato social, fusão e incorporações).
A inexistência de um direito de retirada amplo em sociedade por prazo indeterminado poderia manter um sócio eternamente vinculado a uma sociedade limitada, uma vez que a cessão de quotas a terceiros depende da anuência dos outros sócios. Adicionalmente, sendo as limitadas sociedades de pessoas, têm elas caráter mais próximo ao contratual, de modo que a retirada por parte de um sócio se assemelharia a uma denúncia do contrato de sociedade.
Não à toa, é possível estipular-se, no contrato social de uma limitada, quóruns específicos – ou até mesmo a vedação – para a entrada de novos sócios, além do impedimento ao ingresso, na sociedade, dos herdeiros de sócio falecido. Inclusive, o próprio Código Civil determina que, no caso de morte de sócio, procede-se, via de regra, à liquidação de suas quotas, com o pagamento dos haveres, salvo se o contrato social dispuser de forma diferente, se for feita a dissolução da sociedade ou se for acordada a substituição do falecido junto a seus descendentes.
De outro lado, tal sistemática não é aplicável às sociedades anônimas. Para estas, é prevista, no art. 137 da Lei das S.A., apenas a possibilidade de retirada em caso de aprovação de certas matérias[4], por dissidência – i.e., sobre as quais se votou contrariamente em assembleia. Trata-se de rol de hipóteses consideravelmente restrito, o que se deve à flexibilidade para entrada e saída de companhias por meio da mera transferência de ações a terceiros (livre negociabilidade das ações).
Sendo sociedades capitais, inexiste nas sociedades anônimas o vínculo contratual característico das limitadas. As ações representativas do capital social da empresa configuram títulos (valores mobiliários) pertencentes ao acionista. Há, neste caso, uma relação de propriedade, de modo que não há que se falar em restrições à negociação de participação societária ou à entrada de herdeiros no quadro acionário. Para que sejam criadas regras particulares para disciplinar aspectos como a entrada/saída de sócios, a negociação das ações, e a sucessão de acionistas, é necessária a celebração de acordos parassociais – essencialmente acordos de acionistas.
Tais contratos são firmados privadamente entre certos acionistas, destinados a disciplinar a relação entre estes, e atingem somente as ações de sua titularidade. Pode-se estipular, nesses acordos, direito de preferência em caso de alienação de participação, períodos de lock-up para negociação das ações vinculadas, e opções de compra para o caso de falecimento de um dos acionistas – a fim de evitar o ingresso de seus herdeiros. Contudo, não se tratam de vedações totais, aplicáveis à companhia como um todo, mas sim de mecanismos restritos a certos acionistas, vinculados por meio de um acordo privado.
Assim, o direito de retirada configura um aspecto bastante relevante para a definição do tipo societário de uma empresa, especialmente considerando as sociedades limitadas, nas quais a aplicabilidade do direito de retirada imotivada pode causar certa insegurança jurídica, na medida em que que a saída de um ou mais sócios – sobretudo de maneira inesperada – pode causar adversidades e prejuízos financeiros expressivos à empresa. Pelas mesmas razões, também devem os documentos societários ser elaborados com atenção, a fim de evitar maiores problemas com a saída de sócios. Neste sentido, uma boa medida seria a definição de restrições à retirada, via contrato social ou acordo de sócios.
[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.
[2] Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.
[3] Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
[4] Em resumo, trata-se de criação ou alteração de ações preferenciais, redução do dividendo obrigatório, fusão, incorporação, cisão, início de participação em grupo societário e mudança de objeto.