Elaboramos este artigo com a intenção de comentar decisão da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) acerca do descumprimento dos deveres de administradores de companhia aberta, para podermos examinar caso concreto que trate do assunto e termos melhor compreensão dos pontos fiscalizados pela CVM e como ela pune os agentes em descumprimento.
Tratamos aqui do Processo Administrativo Sancionador nº 19957.003793/2021-81 (“PAS”), julgado em 12 de dezembro de 2023 pelo colegiado da CVM. Em síntese, o PAS teve por objeto a apuração da responsabilidade dos administradores de uma companhia aberta (“Companhia”) que deixou de divulgar diversas informações periódicas exigidas pela CVM. Referido PAS foi iniciado por meio de termo de acusação formulado pela Superintendência de Relações com Empresa, em que a CVM decidiu pela suspensão do registro da Companhia, por ter ela ficado inadimplente com o dever de prestar informações periódicas à autarquia durante mais de 12 meses.
No caso julgado no PAS a Companhia deixou de divulgar as seguintes informações: (a) demonstrações financeiras; (b) Formulário de Referência; (c) formulários de informações trimestrais (“ITRs”); (d) formulários cadastrais; e (e) os documentos referentes à assembleia geral ordinária (AGO) para aprovação de contas. Diante disso, e dado que a companhia já havia sido punida no âmbito do processo originário, o colegiado da CVM apurou a responsabilidade dos administradores da Companhia em relação a cada informação não apresentada.
É interessante notar que todos os diretores foram punidos pela ausência de elaboração de demonstrações financeiras, assim como dos ITRs, como itens de responsabilidade conjunta de todos os diretores. Especificamente com relação às informações destinadas ao mercado, como a ausência do formulário de referência, a não entrega dos ITRs à CVM, assim como a ausência do envio dos formulários cadastrais, quem foi punido foi exclusivamente o diretor de relações com investidores.
No mesmo contexto, a CVM também analisou a responsabilidade dos administradores pelo não envio dos documentos referentes à AGO que a Companhia deveria ter realizado. Como a AGO sequer foi convocada, a CVM limitou-se a responsabilizar os membros do conselho de administração da Companhia por não terem adotado as providências necessárias para realização de AGO.
Vale notar que todas as punições aos administradores dessa Companhia foram apenas de cunho pecuniário, no espectro de R$ 38,5 mil a R$ 359 mil para cada indivíduo (variando principalmente pela cumulação ilícitos de cada um deles).
Evidentemente, um descumprimento tão amplo de formalidades como esse é algo exagerado e que certamente não acontece por mero descuido de um administrador experiente acostumado a ocupar função de conselheiro ou diretor de uma companhia aberta.
No entanto, o caso em si é um exemplo do quanto de estrutura e capacidade de cumprimento de obrigações acessórias uma companhia aberta tem de ter. Ainda, o PAS também demonstra que decidir abrir o capital de uma companhia não é algo que deve ser tomado sem preparação e planejamento para tanto, mesmo que o acesso ao mercado de capitais vá sendo facilitado ao longo dos anos e que a abertura de capital usualmente pareça algo atraente no ideário de quem participa do ambiente de negócios brasileiro.
Manter o mercado devidamente informado dos negócios e das características da empresa é fundamental para a proteção dos investidores, e a CVM, como órgão competente para regular e fiscalizar o mercado de capitais brasileiro, tem estrutura e exerce de fato referida fiscalização quanto a esse tipo de cumprimento de norma.
Assim, é relevante a empresa escolher corretamente e no tempo certo se e em que mercados terá seus valores mobiliários negociados, antecipando também todo o trabalho de adaptação regulatória que terá de enfrentar. Mais do que isso, também é relevante a companhia, na medida em que as normas permitam, adaptar sua governança e seu estatuto social para simplificar, conforme sua conveniência, sua estrutura administrativa e deixar mais evidente as responsabilidades e os procedimentos que devem ser seguidos em sua governança corporativa, evitando, assim, responsabilizações genéricas da CVM meramente com base na generalidade das normas.
Uma vez mais fica claro que esse planejamento, uma boa assessoria de profissionais com experiência no tema, e um bom detalhamento na documentação da companhia são a base para regular a governança corporativa dela. Isso, combinado com administradores que entendam a finalidade dos seus deveres e responsabilidades, não somente se atendo ao que está escrito na norma, são a base para que uma efetiva e correta governança seja de fato implementada na companhia, facilitando sua administração e o exercício de suas atividades tanto no curto como no longo prazo.