A Medida Provisória nº 1.184, de 28 de agosto de 2023 (MP), trouxe mudanças significativas na tributação dos fundos de investimento. Trataremos, neste informativo, das alterações no regime fiscal dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) constituídos como condomínios fechados, e dos potenciais desafios e impactos que essas alterações poderão gerar.
De acordo com a MP, os rendimentos dos fundos de investimento estarão sujeitos à retenção do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF: (a) no último dia útil dos meses de maio e novembro, à alíquota de 15% (regra geral) ou de 20% (fundos com carteira de curto prazo) – retenção essa que é conhecida como “come-cotas”; e (b) na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, de acordo com a tributação complementar estabelecida em lei (cuja alíquota máxima é de 22,5%, aplicável a investimentos com duração de até 180 dias). Caso a MP seja convertida em lei com sua redação atual, essa regra passará a ter efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.
O texto da MP prevê a aplicação do “come-cotas” indistintamente para fundos abertos e fechados. De acordo a regra atualmente em vigor, o “come-cotas” é apenas aplicável aos fundos constituídos como condomínios abertos. Desde que atendidos determinados requisitos, a MP excepciona alguns fundos do regime geral de tributação referido acima, como os Fundos de Investimento em Ações – FIA, os Fundos de Investimento em Participações – FIP e os Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETF), com exceção dos ETF de Renda Fixa. Também não estão sujeitos à MP os fundos com regime próprio de tributação, como os Fundos de Investimento Imobiliário – FII e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais – FIAGRO, entre outros. Os FIDC fechados, porém, não estão entre as exceções.
FIDC podem ser constituídos como condomínios abertos ou fechados. Os fundos abertos são aqueles que permitem o resgate de cotas a qualquer tempo, mediante solicitação do cotista, observando-se os prazos de conversão e pagamento previstos no regulamento. Já os fundos fechados podem emitir classes ou séries de cotas com prazos determinados, com ou sem um cronograma de amortização. Segundo os dados da Uqbar, em junho de 2023, mais de 75% do patrimônio líquido da indústria era de FIDC fechados.
Os FIDC podem adquirir direitos creditórios de qualquer natureza, como duplicatas, cédulas de crédito bancário, cédulas de produto rural, cheques, créditos decorrentes de contratos performados ou não performados, créditos relacionados a ações judiciais, precatórios, entre outros. Os créditos adquiridos por um FIDC fechado podem ter baixa liquidez. Adicionalmente, os direitos creditórios podem ter risco elevado e performance incerta, sujeitando o investimento a variações de rentabilidade. Essas características mostram-se incompatíveis com o regime do “come-cotas”.
Tome-se como exemplo um FIDC que invista em precatórios. Por diversos motivos, pode haver uma valorização da carteira do FIDC e, consequentemente, de suas cotas. De acordo com a MP, apenas essa valorização já levaria à incidência do “come-cotas”. Precatórios são investimentos de longo prazo. Caso o FIDC não possua liquidez para fazer frente à retenção do tributo, é possível que ele tenha que realizar a venda dos precatórios no mercado secundário. Por se tratar de um mercado de baixa liquidez, é possível que o FIDC somente consiga realizar essa venda com deságio, gerando prejuízo aos cotistas. Ainda, o recebimento dos precatórios está sujeito a incertezas, inclusive no cenário político, podendo haver prejuízos ao investidor. Nessa hipótese, incidindo o “come-cotas”, o cotista teria sido tributado por um rendimento que, ao final, não se materializou.
Como regra geral, o FIDC fechado e as cotas seniores e mezanino por ele emitidas têm prazo de duração determinado, incidindo a tributação na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação das cotas, da mesma forma que outros investimentos de renda fixa que costumeiramente concorrerem com as cotas dos FIDC fechado (como debêntures, certificados de depósitos bancários – CDB e certificados de recebíveis – CR). A introdução do regime do “come-cotas” para os FIDC fechados geraria uma assimetria entre o investimento nas cotas desses fundos e em outros ativos de renda fixa, potencialmente reduzindo a atratividade dos FIDC para os investidores. Também criaria uma diferenciação entre as securitizações realizadas por FIDC e por companhias securitizadoras, favorecendo estas últimas.
O mercado de FIDC tem crescido de forma exponencial nos últimos anos. Segundo a Uqbar, em junho de 2023, o patrimônio líquido dos FIDC era superior a R$400 bilhões, o que representa um crescimento de mais de 35% em relação a junho de 2021. Os FIDC contribuem com o financiamento dos mais diversos setores da economia, especialmente segmentos pouco atendidos pelas instituições financeiras. Como visto, a incidência do “come-cotas” para os FIDC fechados tem o potencial de desarranjar uma indústria funcional, que contribui de forma crescente para o desenvolvimento do país.