Em julgamento recente[1], realizado em 10 de maio de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) condenou, por unanimidade, ao pagamento de multa no valor de R$ 210 mil, acionista indireto de companhia de capital aberto (“Companhia”) que ocupava os cargos de diretor presidente e presidente do conselho de administração da Companhia[2], em razão de ter votado, por meio de sociedades interpostas, as suas próprias contas referentes a exercício social encerrado.
A decisão foi fundamentada nos parágrafos primeiros dos artigos 115 e 134 da Lei nº 6.404/1976 (“LSA”)[3], que proíbem expressamente que o administrador vote as próprias contas ou os documentos indicados no artigo 133 da LSA, que incluem relatório da administração e as demonstrações financeiras, na qualidade de acionista ou procurador de acionista. Havendo voto neste sentido, o presidente da assembleia não deverá computá-lo e, caso isso não ocorra, os demais acionistas poderão solicitar a invalidade da deliberação[4].
A decisão reforçou o entendimento da autarquia de que a regra deve ser interpretada de modo a considerar, inclusive, eventuais participações indiretas dos administradores na companhia (i.e., quando o administrador da companhia puder externar sua vontade na deliberação em questão por meio de sociedade acionista da companhia em que detém participação societária), hipótese em que a acionista detida direta ou indiretamente pelo administrador também ficará impedida de votar a matéria vedada ao administrador.
Outro tema abordado na decisão que ao nosso ver merece destaque é o resultado da deliberação se descontado o voto proferido em desacordo com a lei. No caso em comento, o administrador alegou em sua defesa que as contas teriam sido aprovadas ainda que o administrador não tivesse interferido na deliberação, o que ficou comprovado no processo administrativo, isto é, não teria havido prejuízo comprovado à Companhia ou aos demais acionistas em razão do voto conflitado proferido pelo administrador.
A decisão da autarquia, porém, pontua que a CVM tem função de fiscalizar e competência para apurar e punir atos praticados em desacordo com as normas societárias, ainda que tais violações não tenham causado danos diretos a outros participantes do mercado.
Por outro lado, o fato de que o voto irregular não foi determinante para a aprovação das contas foi considerado como uma circunstância atenuante quando da definição da multa aplicável, assim como o fato de não terem sido apontadas quaisquer irregularidades nas contas.
Além de ratificar entendimentos anteriores da CVM, a recente decisão traz um pouco mais de luz para alguns dos questionamentos mais frequentes quando o assunto é vedação ao voto de acionista em deliberações assembleares e deve servir como orientação para a atuação de acionistas e administradores em situações semelhantes no futuro.
[1] (PAS) CVM SEI 19957.006509/2019-11. Relatora Flávia Perlingero. Dia 10 de maio de 2022. Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anexos/2022/20220510_PAS_CVM_19957_006509_2019_11_voto_diretora_flavia_perlingeiro.pdf
[2] A partir de 22 de agosto de 2022, ficará vedado o acúmulo dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor presidente (ou de principal executivo) nas companhias abertas, nos termos do §3º do art. 138 da LSA, incluído pela Lei nº 14.195/21.
[3] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm
[4] “Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembleia geral ou especial, irregularmente convocada ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.”.