Após a decisão de investir em uma sociedade (limitada ou companhia fechada), é normal que surjam dúvidas a respeito do contrato que será celebrado para formalizar essa relação. No entanto, antes da definição do documento mais adequado, é importante que as partes entrem em acordo em relação ao tipo de investimento que desejam formalizar, sendo que as duas opções clássicas são: dívida ou participação societária (equity).
As dívidas constituem uma relação de crédito, na qual investidor concede um valor à empresa investida que deverá ser pago na data avençada e normalmente acrescido de juros, que é a remuneração do empréstimo.
Já o investimento em participação societária constitui uma relação de patrimônio, em que o investidor aporta um valor na empresa e recebe, como contrapartida, quotas ou ações. Além disso, as quotas ou ações adquiridas representam uma parte do capital social da empresa e concedem ao seu titular determinados direitos, como o direito a participar dos lucros daquela empresa, entre outros.
No entanto, há uma outra forma de investimento em empresas que reúne características dos dois modelos clássicos mencionados acima: as dívidas conversíveis. Em resumo, a dívida conversível é um instrumento de dívida, como uma debênture ou um mútuo, que dá direito ao credor (investidor) de converter aquele crédito em participação societária na empresa que recebeu o empréstimo, nas condições estabelecidas no respectivo contrato.
Nesse artigo, tratamos de alguns dos aspectos societários mais relevantes do mútuo conversível.
Embora bastante conhecido e especialmente popular no mundo das startups, o mútuo conversível ainda é alvo de certas dúvidas e questionamentos, sendo o principal deles relacionado à segurança desse instrumento para o investidor. Entre as maiores preocupações dos investidores que utilizam esse instrumento está a possibilidade de contingências da empresa investida recaírem sobre o investidor ou atingi-lo de alguma forma, dado o seu relacionamento com a empresa.
O fato de não ter previsão legal dava espaço para diversas interpretações pelo judiciário, que claramente não ajudavam os investidores a saírem desse cenário de incerteza. Uma boa notícia nesse sentido veio em junho deste ano, com o advento do Marco Legal das Startups, que estabeleceu o mútuo conversível como uma alternativa para formalização de aportes de capital em empresas e trouxe previsão expressa de que o investidor somente será considerado quotista, acionista ou sócio da empresa investida após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária na empresa.
Embora tais disposições do Marco Legal das Startups não tenham significado uma grande inovação para as pessoas acostumadas a lidar com o tema, elas conferem segurança jurídica adicional ao instituto e servem para confirmar o entendimento amplamente difundido no mercado em relação a esses contratos.
Se, por um lado, mencionamos incertezas relacionadas aos mútuos conversíveis, por outro, esse instrumento apresenta características que na maioria das vezes são vantajosas seja para a empresa investida como para o investidor, tais como:
- a chance de a empresa receber recursos que podem ser utilizados imediatamente em suas atividades sem necessariamente estar sujeita a interferências na tomada de decisões no dia-a-dia do seu negócio;
- a segurança do investidor em relação a contingências da empresa pelo período em que ainda não se tornar sócio;
- a oportunidade do investidor de acompanhar de perto o desenvolvimento da empresa por certo tempo (geralmente alguns anos) para então decidir se realmente tem interesse de ingressar no quadro de sócios, o que aumenta substancialmente as chances de sucesso nessa decisão;
- a possibilidade dupla de contrapartida para o investidor (pagamento do mútuo ou participação societária), que resulta num menor risco para o credor quando comparado com outros instrumentos de dívida não conversíveis; e
- o aumento nas chances de a empresa conseguir um aporte, em razão das vantagens para o investidor mencionadas acima.
Por esses motivos, entre outros, o mútuo conversível é um instrumento largamente utilizado para formalizar investimentos em empresas em fase inicial de desenvolvimento, mas também pode ser recomendado em outros contextos, como para investimentos em empresas maduras que passem por um momento de incerteza, por exemplo.
No entanto, por se trata de um instrumento sui generis, dada a sua natureza híbrida, o contrato de mútuo traz consigo desafios específicos que devem ser considerados com muita atenção e cuidado, para evitar dúvidas e discussões desnecessárias ao longo da sua vigência.
Assim, destacamos a seguir alguns dos aspectos mais relevantes dos mútuos conversíveis do ponto de vista societário e para os quais as partes devem voltar sua atenção quando estiverem diante de um contrato desse tipo:
- até a conversão do mútuo, o investidor não será sócio da empresa e não terá os direitos e obrigações que são inerentes a essa qualidade;
- o contrato do mútuo conversível deve estabelecer o percentual de participação a que terá direito o investidor no caso de conversão do seu crédito ou o valuation a ser considerado para fins de definição dessa participação no futuro;
- os termos de eventuais acordos de sócios ou acionistas que valerão após a conversão devem ser negociados previamente e definidos no contrato de mútuo para evitar discussões futuras; e
- as hipóteses em que o crédito poderá ser convertido em participação societária devem ser definidas claramente no contrato.
A clareza do contrato de mútuo é fundamental para que ele seja corretamente executado desde a sua concepção até o retorno do dinheiro ou a conversão em capital. Além disso, também é relevante que o seu contexto e a consequente contrapartida no caso de conversão em capital sejam sólidos e justificáveis, de modo a evitar discussões futuras quanto à taxa de conversão do mútuo em capital.
Como é instrumento complexo, não raro com “negative covenants” (i.e., casos em que a empresa deve solicitar autorização prévia para o investidor para a realização de determinados atos, sob pena de vencimento ou conversão antecipados), regras para devolução do valor tomado, regras para conversão, métricas para definição de participação futura, é importante evitar espaço para interpretação e controvérsias, ainda mais considerando o decurso do tempo na vida da empresa, com fatos novos e mudanças constantes das circunstâncias.