Um modelo de investimento já bem conhecido nos Estados Unidos vem sendo cada vez mais comentado no mercado de capitais brasileiro: as SPACs. Trata-se da sigla em inglês para special purpose acquisition companies (“SPACs”), em uma tradução literal, “companhias com propósito específico de aquisição”. São empresas constituídas como sociedades por ações de capital aberto, que, no momento de sua criação, não possuem qualquer ativo ou atividade específica, além do propósito de levantar fundos por meio de uma primeira oferta pública de ações (“IPO”) para uma futura aquisição de outra empresa (empresa-alvo).
As SPACs propõem aos investidores que, através delas, invistam em um ativo antes mesmo que tal ativo seja definido. O principal fator de segurança para os investidores nessa operação é a reputação dos administradores da companhia, conhecidos como sponsors, que, via de regra, são pessoas influentes, com vasta experiência mercantil, que possuem operações de sucesso em seus currículos e, portanto, transmitem confiança aos investidores.
O prazo para que os gestores adquiram a empresa-alvo é de 18 meses a 2 anos a partir da listagem da SPAC na bolsa de valores. Ao identificarem uma empresa candidata, os gestores devem convocar uma assembleia com os investidores, para que a incorporação da empresa-alvo pela SPAC seja aprovada. Caso aprovada pelos investidores, a operação é concluída e a SPAC, antes tida como uma shell company (empresa de gaveta), passa a ser considerada uma empresa operacional. Se, após o prazo mencionado, a aquisição da empresa-alvo não for concluída, a SPAC é liquidada e, via de regra, os investidores são reembolsados por suas contribuições no IPO.
No entanto, existe dúvida quanto aos motivos que fazem da SPAC uma opção vantajosa de investimento, visto que, a priori, se trata de uma operação que envolve risco consideravelmente maior que o investimento em outras companhias de capital aberto.
De fato, as principais críticas a esse tipo de operação dizem respeito ao fluxo de informações que os investidores recebem sobre a SPAC durante o IPO, uma vez que o ativo e sua respectiva atividade ainda são desconhecidos a esse tempo. Por isso, inclusive, as SPACs ganharam o apelido de “companhias do cheque em branco”.
Por outro lado, a abertura de capital por meio de uma SPAC se mostra benéfica em diversos aspectos, entre eles i) a celeridade do processo de IPO de uma SPAC em comparação com o processo tradicional, que leva em média sete meses a menos para ser concluído por ser um processo substancialmente mais simples que o convencional; ii) o menor número de exigências regulatórias em relação ao modelo tradicional de IPO; e iii) a ausência de volatilidade do preço de emissão das ações de uma SPAC no IPO – diferentemente do IPO convencional, as ações de uma SPAC possuem um preço de emissão fixo, pois não tem como base o valuation de um negócio existente.
O sucesso das SPACs no Estados Unidos está levando esse tipo de investimento a ser discutido mundo afora. Dados fornecidos pela SPAC Analytics mostram que os IPOs que foram realizados por meio de SPACs nos Estados Unidos cresceram de 46 operações em 2018 para 350 em 2021[1].
O assunto chegou ao território brasileiro com força, seja pelo interesse dos investidores estadunidenses em explorar as oportunidades latino americanas, seja pelo entusiasmo dos próprios investidores brasileiros em avançar com o tema por aqui. A Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (“Embraer”), por exemplo, já mostrou interesse pelo tema, quando sua subsidiária, Eve Urban Air Mobility Solutions, Inc., iniciou negociações quanto a uma possível combinação de negócios com uma SPAC americana, a Zanite Acquisition Corp., conforme informado em fato relevante divulgado pela Embraer[2].
O tema vem prosperando no país nos últimos meses com os esforços da ANBIMA, que visando o desenvolvimento de uma legislação específica para SPACs no Brasil, criou um grupo de estudos formado por advogados e especialistas em investimentos para contribuírem ao debate.
A CVM, no mesmo intuito, colocou o tema para discussão em sua audiência pública de 8 de julho de 2021[3]. Segundo a autarquia, não há vedações na regulamentação brasileira à introdução das SPACs no mercado de capitais do país, entretanto, propôs uma limitação do público-alvo dos IPOs das SPACs, apenas para investidores qualificados, sendo que o direcionamento a investidores de varejo seria realizado após um período de 18 meses.
Certamente podemos esperar que as discussões no Brasil sobre esse interessante modelo de investimento e sua potencial aplicação no nosso país ganhem cada vez mais relevância.
Referências:
https://hbr.org/2021/07/spacs-what-you-need-to-know
https://advisory.kpmg.us/articles/2021/why-choosing-spac-over-ipo.html
[1] https://www.spacanalytics.com/index.php?lang=1&link=home
[2] https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==
[3]http://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/audiencias_publicas/ap_sdm/anexos/2021/sdm0221_edital.pdf