Em 19 de janeiro de 2021, em sede do Processo Administrativo Sancionador nº 19957.010135/2018-40[1], a Comissão de Valores Mobiliários condenou administradores da Companhia Aurífera Brasileira S.A. por irregularidades relacionadas ao descumprimento de seus deveres informacionais. Notadamente, entre outras condenações, a CVM multou dois membros do conselho de administração da companhia, no montante total de R$ 150 mil, pela não adoção das providências necessárias à realização de assembleias gerais ordinárias referentes aos exercícios sociais encerrados em 2016 e 2017.
A condenação destaca uma obrigação legal aplicável tanto às sociedades empresárias reguladas pelo Código Civil[2] como às companhias reguladas pela Lei das Sociedades Anônimas[3]: a obrigação de tomar conta dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras da sociedade empresária, anualmente, em sede de assembleia geral ordinária a ser realizada nos 4 meses imediatamente seguintes ao término do exercício social.
Mais do que mera formalidade a ser cumprida ano a ano, a deliberação acerca das contas dos administradores é matéria da mais elevada relevância para o direito societário. Nesse sentido, inclusive, ainda que a defesa dos administradores no caso em análise tenha arguido que o mercado não teria sofrido prejuízos em razão do descumprimento das referidas obrigações (pois não havia ações de emissão da companhia em circulação à época), a CVM optou pela aplicação da multa da mesma forma.
A importância da realização das AGO independe da existência de uma autoridade responsável pela supervisão da sociedade, tal como a CVM no caso das companhias abertas: o interesse de realização da AGO vai muito além do risco de eventual fiscalização e aplicação de sanções às companhias e/ou aos administradores que descumprirem suas obrigações legais.
Aos acionistas, a AGO permite que analisem os atos praticados pelos administradores, solicitem esclarecimentos a respeito das obrigações assumidas e/ou dos atos por eles praticados e, caso verifiquem que os administradores agiram de forma contrária ao interesse da sociedade, imputem-lhes responsabilidade por quaisquer tais irregularidades.
Já aos administradores, a aprovação (que pode ser com ou sem reservas) das demonstrações financeiras é elemento que os libera de sua responsabilidade perante os acionistas, salvo se ficar comprovada a existência de vícios em suas ações (tais como erro, dolo, fraude etc.). Vale ressaltar: embora tal quitação esteja prevista expressamente na lei, é possível sua flexibilização pelo judiciário, especialmente quando existirem elementos de que os acionistas não possuíam conhecimento técnico para decifrarem a complexidade e a extensão dos documentos apresentados para sua apreciação.
Ou seja, ainda que a AGO não seja sempre a protagonista entre os atos societários, ao menos na perspectiva de acionistas e administradores, sua importância ultrapassa o formalismo da norma, sendo essencial ao funcionamento regular das sociedades empresárias.
Sua realização pode ser implementada, inclusive, de forma digital ou semipresencial (i.e., reunião realizada fisicamente, podendo os acionistas participarem e votarem fisicamente ou à distância), após flexibilizações legais introduzidas em 2020, no contexto das restrições impostas pela pandemia da COVID-19. Tais inovações, historicamente requisitadas por participantes do mercado, muito antes da adoção de medidas de distanciamento social, estão hoje amplamente disponíveis para sociedades limitadas ou companhias, seja de capital aberto ou fechado.
Um último ponto de atenção diz respeito ao prazo legal para realização das AGO, a qual deve ser realizada dentro de 4 meses contados do término do exercício social da sociedade. Embora tal prazo tenha sido flexibilizado para as AGO a serem realizadas em 2020 (no mesmo contexto da flexibilização acima, a fim de minimizar os impactos da pandemia da COVID-19 sobre a rotina societária das empresas), até o momento, não temos notícia de qualquer flexibilização semelhante para as AGO a serem realizadas em 2021.
Considerando, ainda, a necessidade de publicação e divulgação prévia de documentos para análise dos acionistas (tais como o relatório da administração e as demonstrações financeiras), bem como as formalidades de convocação de acionistas para a AGO (tais como publicação em jornal, sem prejuízo de disposições adicionais aplicáveis no caso a caso de cada sociedade), é importante que os administradores voltem sua atenção para o assunto com a brevidade e atenção adequadas à relevância do assunto – no caso da maioria das sociedades brasileiras, cujo exercício observa o ano calendário e se encerra em 31 de dezembro, o prazo limite para realização das AGO é 30 de abril de 2021.
[1] https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-multa-administradores-da-companhia-aurifera-brasileira-s-a-em-r-350-mil
[2] Artigo 1.078 da Lei nº 10.406 de 2002.
[3] Artigo 132 da Lei nº 6.404 de 1976.