O presente artigo tratará da eleição de administradores em sede de Assembleia Geral Ordinária, tema esse que ganha especial relevância para as empresas nesta época do ano[1], quando muitas vezes coincide o vencimento do prazo dos mandatos, tornando necessária a realização de eleições para o preenchimento dos cargos disponíveis.
A administração da sociedade anônima pode funcionar sob a gestão de um único órgão (a Diretoria) ou de dois (a Diretoria e o Conselho de Administração). A prática societária demonstra que o primeiro modelo, por ser mais simples e econômico, costuma ser utilizado nas sociedades de menor porte ou nas de cunho familiar, em que muitas vezes aqueles que estão à frente da sociedade são os mesmos que nela aportaram seus recursos. Já o modelo dual geralmente encontra-se presente nas sociedades com estrutura mais complexa, em que o distanciamento entre acionistas e executivos leva à necessidade de um órgão intermediário (o Conselho de Administração), que, em nome dos acionistas, fiscaliza e orienta tais administradores.
Esses órgãos apresentam funções distintas. A Diretoria ostenta natureza executiva e é responsável por conduzir os negócios da companhia (função interna) e a representá-la perante terceiros (função externa). Já o Conselho de Administração é órgão do tipo deliberativo e fiscalizatório (função interna), ao qual cabe definir questões estratégicas e fiscalizar a condução dos negócios pelos diretores.
Quaisquer pessoas naturais (pessoas jurídicas são vedadas), acionistas ou não, brasileiras ou não, podem ocupar cargos de administração (Diretoria ou Conselho de Administração), desde que não tenham sido impedidas por lei especial, não tenham sido condenadas pela prática de determinados crimes, como peculato, prevaricação, etc., ou tenham sido declaradas inelegíveis por alguma autoridade governamental. Aos diretores cabe observar uma regra adicional, inexistente para quem é conselheiro: devem possuir residência fixa no Brasil. Trata-se de exigência legal que se justifica pela natureza executiva do órgão, na medida em que o legislador buscou assegurar que a pessoa responsável por conduzir o dia-a-dia da sociedade e por representá-la perante terceiros esteja realmente presente.
A eleição é considerada ato unilateral da sociedade, mas sua eficácia é condicionada a que o nomeado assine o termo de investidura no cargo, dentro de 30 dias após sua nomeação (art. 149 da Lei das Sociedades Anônimas – “LSA”). A destituição e a renúncia também são atos unilaterais, no sentido de que basta que a companhia (no caso da destituição) ou o administrador (na hipótese de renúncia) manifestem sua vontade, para que produzam efeitos jurídicos entre as partes.
A manifestação de vontade, contudo, não é suficiente para que tais atos (eleição, destituição ou renúncia) ganhem eficácia perante terceiros; é preciso dar-lhes publicidade, na forma de arquivamento e publicação do ato. A exigência legal (§1º do art. 146, e art. 151, ambos da LSA) tem motivo de ser: como os administradores exercem funções internas e (alguns deles) externas, é necessário que referidos atos sejam formalizados e divulgados para conhecimento de todos internamente na organização societária e de terceiros com que ela se relacione. Tal obrigação de arquivamento e publicação recai, primariamente, sobre a companhia, podendo, porém, o ex-administrador, diante da inércia da companhia, fazê-los alternativamente.
O prazo de gestão deve estar previsto no estatuto, respeitado o limite máximo legal de três anos. Ao fim do prazo estabelecido, novos administradores deverão ser eleitos, sendo permitida a reeleição dos atuais administradores.
Em sendo o mandato interrompido por morte, incapacidade, impedimento, renúncia, destituição ou condenação, poderá ser nomeado um suplente escolhido na ocasião da eleição dos administradores. Caso tal providência não tenha sido tomada, em se tratando do Conselho de Administração, a LSA determina que os conselheiros remanescentes devem selecionar um substituto para ocupar o cargo até a Assembleia Geral seguinte. Se a vacância alcançar a maioria ou a totalidade do Conselho de Administração, uma Assembleia Geral Extraordinária emergencial tem de ser instalada para se proceder à nova eleição. Quanto à Diretoria, se a companhia tiver Conselho de Administração, este órgão deverá nomear substitutos; se não tiver, nova Assembleia Geral deverá ser convocada.
Não se aplica, contudo, tais regras de substituição dos administradores em caso de término do mandato e atraso na realização da Assembleia Geral Ordinária para além dos quatro meses seguintes ao final do exercício social. Nestes casos em que há uma lacuna temporal, estando os administradores dispostos a serem reconduzidos aos seus cargos, estende-se tacitamente o seu mandato, que terão seus atos de gestão ratificados na Assembleia Geral seguinte.
A lei societária brasileira, com o objetivo de garantir uma maior influência dos acionistas minoritários com participação relevante sobre a gestão e orientação dos negócios da sociedade, estabeleceu o sistema de voto múltiplo para as Assembleias Gerais. Por meio desse mecanismo, fica facultado aos acionistas que representarem, pelo menos, 10% do capital social com direito a voto requererem a adoção do voto múltiplo, atribuindo a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho. Nesse sistema os acionistas dispõem da possibilidade de cumular os votos em um só candidato – potencialmente aumentando as chances de eleger o seu candidato, dado que os acionistas controladores terão que dividir seus votos em vários nomes, com o objetivo de emplacar a maioria dos conselheiros – ou distribuí-los entre vários.
Outra medida que visa resguardar a proporcionalidade no preenchimento dos cargos da Administração é o direito à eleição em separado. Este instituto permite aos acionistas titulares de 15% do total das ações com direito a voto e aos acionistas detentores de ações preferenciais que representem, pelo menos, 10% do capital social eleger um conselheiro e um suplente em votação em separado. Ainda, se não houver capacidade de perfazer estes quóruns, restará o mesmo direito aos titulares de ações ordinárias e preferenciais que representem, em conjunto, pelo menos 10% do capital social.
Como visto, a compreensão dos mecanismos de eleição, renúncia ou destituição dos cargos de administração da LSA é tema fundamental para as relações empresariais, tanto do ponto de vista da sociedade (acionistas minoritários e controladores, conselheiros e diretores), quanto da perspectiva dos que com ela se relacionam (credores, fornecedores, financiadores, etc.). Isso porque o desrespeito às regras legais, no tema, pode impactar diretamente os negócios jurídicos celebrados entre agentes econômicos, como na hipótese de invalidação do contrato por ausência de poder de representação do administrador.
[1] A Medida Provisória nº 931, de 2020, recém-publicada, alterou extraordinariamente, por conta da pandemia do coronavírus, os prazos legais para realização da Assembleia Geral Ordinária. Sociedades anônimas (bem como sociedades limitadas) que tiverem o exercício social encerrado entre 31/12/2019 e 31/03/2020 poderão realizar a Assembleia Geral Ordinária em até 7 meses após o encerramento de seu exercício social, modificando, portanto, o prazo ordinário de 4 meses para 7 meses.