Anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social de uma sociedade anônima, deve ocorrer sua assembleia geral ordinária (“AGO”), como dispõe o artigo 132 da Lei das S.A. É nessa assembleia, órgão máximo deliberativo da companhia, em que se discutem as principais questões do exercício social que se findou, inclusive a aprovação ou a reprovação das contas dos administradores e das demonstrações financeiras.
Mais do que mera formalidade a ser cumprida ano a ano, a deliberação acerca das contas dos administradores é matéria da mais elevada relevância, justamente porque tem a intenção de endereçar as consequências do conflito “principal-agente”, uma das questões mais sensíveis enfrentadas pelo direito societário: o acionista (principal) possui capital mas não possui a expertise necessária para conduzir a atividade empresarial; assim, o acionista indica um diretor (agente), profissional que possui habilidade e capacidade para administração de negócios, que deverá empregar o capital do primeiro na atividade da empresa, de forma a maximizar os retornos do acionista (e não do diretor).
Entre outros mecanismos contratuais e societários comumente adotados com a mesma finalidade de combater os incentivos perversos de tal conflito principal-agente (por exemplo, atrelar uma parcela da remuneração dos diretores aos lucros da companhia), a própria lei societária já cuidou de prever instrumentos que assegurem ao acionista o direito geral de fiscalizar a atuação dos diretores, tais como rever e deliberar sobre as demonstrações financeiras da companhia.
Nesse sentido, em razão da acentuada assimetria de informações entre acionistas (que não necessariamente participam do dia a dia da companhia, especialmente no caso de companhias abertas) e administradores (que efetivamente conduzem os negócios da companhia), a lei prevê que, antes da realização da AGO, os administradores devem divulgar as informações relativas ao exercício social. O meio para se atingir esse objetivo consiste na publicação de documentos relevantes à análise dos acionistas, tais como o relatório da administração e as demonstrações financeiras, na sede da companhia (entre outros documentos elencados no artigo 133 da Lei das S.A.).
Tamanha é a importância da prestação de informações exatas que o fornecimento de dados falsos, bem como seu ocultamento, configuram ato ilícito passível de sanção criminal, de acordo com o artigo 177 do Código Penal.
Cada documento deve ser ponderado separadamente. Podem ocorrer situações nas quais um documento é aprovado e o outro não, ou, ainda, situações em que são aprovadas apenas as demonstrações financeiras, e são deliberadas modificações no projeto de destinação de lucros, por exemplo.
Com as informações prestadas sobre o exercício social concluso, os acionistas podem deliberar sobre a aprovação ou não das contas dos administradores. Como as demonstrações financeiras apresentadas constituem apenas uma proposta da administração, somente após a aprovação dos acionistas é que essas produzem seus efeitos jurídicos.
De posse de referidas informações, a AGO é órgão soberano para examinar, discutir, votar, apresentar modificações e retificações às contas da administração. Da deliberação dos acionistas podem resultar três possíveis cenários quanto às contas dos administradores: aprovação sem reserva, aprovação com reserva e reprovação.
A aprovação sem reserva outorga aos administradores verdadeira quitação, eximindo-os de responsabilidade em face da companhia e dos acionistas, salvo se, posteriormente, ficar comprovada a existência de vício, erro, dolo, fraude, simulação ou coação em sua conduta ou nas informações prestadas aos acionistas (conforme demonstrado em ação judicial específica que tenha por objetivo anular a aprovação pela AGO). No entanto, essa quitação automática vem sendo flexibilizada pelo judiciário, tendo em vista que, muitas vezes, as contas não são discutidas com tanta profundidade e os acionistas não possuem conhecimento técnico para decifrarem a complexidade e a extensão dos documentos apresentados.
Já a aprovação com reserva ocorre quando os acionistas entendem que há irregularidades nos documentos apresentados pela administração e apresentam proposta para sua retificação, após a qual se exige, dos administradores, a republicação de todos os documentos que devem ser apresentados à AGO, e não só daqueles que foram retificados. Na hipótese de ratificação satisfatória, as consequências são as mesmas de uma aprovação sem reserva.
A última hipótese é a reprovação das contas. Embora a lei assim não o exija, recomenda-se que a reprovação seja justificada, sob risco de configuração de abuso no exercício do direito de voto pelos acionistas, especialmente tendo em vista que a consequência da reprovação das contas pode ser a propositura de ação de responsabilidade em face dos administradores pelos prejuízos causados ao patrimônio da companhia.
A prerrogativa original para propositura de tal ação é da companhia, desde que aprovada em assembleia geral de acionistas. A ação deverá ser proposta dentro de 3 (três) meses contados da aprovação da propositura (podendo qualquer acionista apresentar tal ação caso a companhia se mantenha inerte após esse prazo). Nessa hipótese, o administrador alvo da ação fica impedido de exercer suas funções, devendo ser imediatamente substituído pelos acionistas, em razão da incompatibilidade entre a acusação de possível quebra da confiança e o exercício de suas funções no melhor interesse da companhia e dos acionistas. Caso a assembleia geral decline a propositura da ação de responsabilidade, qualquer acionista que represente pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social da companhia poderá fazê-lo (conforme artigo 159, parágrafo 4º da Lei das S.A.).
Em razão da evidente complexidade das questões envolvidas – tais como, por exemplo, os requisitos necessários para a efetiva responsabilização dos administradores no âmbito de tais ações judiciais, assunto que necessariamente envolveria uma discussão mais ampla sobre os limites dos deveres e direitos fiduciários de tais administradores –, não temos intenção de esgotar o assunto relacionado às AGO com este artigo.
Pretendemos, isso sim, apresentar um panorama geral sobre a relevância das deliberações tomadas em AGO e das consequências correlatas, seja para as companhias, acionistas ou administradores envolvidos, e permanecemos à disposição de nossos clientes para discutir o assunto em maior profundidade.