A cláusula de não concorrência, utilizada com frequência em estruturas societárias e em operações de compra e venda de empresas, costuma viver em dois mundos distintos, e que muitas vezes não se comunicam entre si.
Tem-se, de um lado, a cláusula de não concorrência da prática empresarial, amplamente disseminada entre os agentes econômicos, por ser considerada instrumento fundamental para assegurar racionalidade econômica e eficiência às relações empresariais. E de outro, a cláusula de não concorrência do mundo jurídico, que toca em princípios caros ao Direito (autonomia privada, liberdade econômica, livre concorrência, etc.) e que, em razão disso, acaba sofrendo o controle dos órgãos jurisdicionais (Poder Judiciário e Arbitragem), os quais, a pretexto de coibir abusos, limitam o seu livre uso pelos particulares.
Nas relações societárias, tal mecanismo contratual visa alinhar esforços e expectativas dos sócios quanto ao sucesso da sociedade, garantindo que sua energia e seu tempo se concentrem naquele empreendimento comum.
Já nas operações de aquisição de empresas, é prática comum a cláusula de não concorrência ter por função a preservação do valor agregado do negócio que foi adquirido, na medida em que não seria justo que o vendedor, tendo alienado o negócio e tudo o que lhe dizia respeito (clientela, rede de fornecedores, know-how e funcionários), pudesse atrapalhar ou limitar essa capacidade de geração de valor – certamente precificada pelas partes. Em outras palavras, a cláusula busca, nestes casos, tutelar a legítima expectativa do comprador quanto à rentabilidade do negócio adquirido.
Para o Direito, porém, outros aspectos relacionados à cláusula de não concorrência também importam. Isso porque, neste âmbito, prevalece a percepção de que referido mecanismo contratual implica a restrição de um direito alheio (liberdade econômica, autonomia privada, etc.). Daí os critérios de validade, determinados pela jurisprudência brasileira na falta de normas legais que disponham sobre cláusulas de não concorrência nestes contextos.
Em linhas gerais, pode-se classificá-los pela matéria envolvida: (i) tempo, (ii) espaço, e (iii) escopo.
Tais critérios não são aplicados de maneira uniforme pelos tribunais, vindo a sofrer modulações no caso a caso. Isso significa dizer que, para determinação da validade da cláusula de não concorrência, não há números e valores definidos com exatidão pelos órgãos julgadores, mas sim certas balizas dentre as quais eles costumam agir e decidir, conforme as peculiaridades do caso concreto.
Em pesquisa de decisões judiciais dos últimos cinco anos[1], foi possível encontrar as seguintes métricas para os critérios mencionados:
- tempo: 1 (mínimo) a 5 anos (máximo);
- espaço: metros, quilômetros, bairro, cidade, estado e país; e
- escopo: mesmo ramo de atividade, ou, em alguns casos, atividades similares potencialmente concorrentes.
O valor da multa decorrente do descumprimento da obrigação de não concorrência é igualmente relevante nas discussões envolvendo o tema. Valores excessivos podem eventualmente levar à anulação da cláusula, ou serem reduzidos em patamares considerados aceitáveis para o caso. Os números aqui também são fluidos, podendo ser encontrado julgados aceitando multa diária de R$ 4.000,00 ou de R$ 20.000, bem como penalidade equivalente a 30% do valor do contrato.
Em qualquer caso, é preciso que a cláusula e todos os seus aspectos (tempo, espaço e escopo) tenham uma razão econômico-empresarial para existirem. Obrigações restritivas de direito que não obedecem a tal imperativo têm maior chance de serem consideradas abusivas e, com isso, revistas em juízo.
Outra forma de mitigar risco de interferência na cláusula de não concorrência reside na elaboração de redações contratuais detalhadas quanto aos limites atribuídos da cláusula (tempo, espaço e escopo), evitando-se com isso futuras discussões sobre o alcance da cláusula ou a intenção original das partes para aquela determinada obrigação.
O principal indicador de eficácia de uma cláusula é o incentivo que ela oferece aos contratantes para que ela seja naturalmente respeitada. E tal incentivo é diretamente proporcional ao quão crível seja para os envolvidos que aquilo nela estabelecido, incluindo as penalidades atreladas ao seu eventual descumprimento, será mantido e prevalecerá em caso de discussão dela em âmbito contencioso.
Como visto, várias são as formas para se tentar atingir o equilíbrio entre, de um lado, redigir uma cláusula de não concorrência de maneira que garanta racionalidade e eficiência econômica ao arranjo contratual e, do outro, fazer que ela esteja aderente à ordem jurídica. De todo modo, o exame da legalidade da obrigação sempre dependerá das circunstâncias do caso em concreto, do comportamento das partes e da natureza do contrato.
[1] A pesquisa restringiu-se ao Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.