Nos últimos anos, além do avanço desmedido da tecnologia, diversas transformações vêm ocorrendo no campo da economia, da política e do consumo, alterando profundamente o cenário no qual as companhias estão inseridas, bem como o papel de supervisão e planejamento do conselho de administração. Essas transformações também têm surtido efeito nos investidores, nos consumidores, no poder público e na sociedade como um todo, que começaram a se atentar para questões como sustentabilidade, diversidade, transparência, ameaças digitais, dentre outras.
Nesse contexto, é de fundamental importância que os conselhos de administração se adaptem e se posicionem frente às novas perspectivas para que sua atuação seja tão abrangente e eficaz quanto a velocidade das mudanças, garantindo o sucesso e a vantagem competitiva das companhias a longo prazo.
Como já abordado no PVG+ de maio de 2019 (confira aqui: https://www.pvg.com.br/artigos/tendencias-globais-em-governanca-corporativa-estrutura-e-composicao-do-conselho-de-administracao), continuamos a discorrer sobre as principais tendências globais em governança corporativa, agora, com foco na remuneração, transparência, gestão de riscos e cybersecurity.
- Remuneração
Os comitês de remuneração se tornaram, nos últimos anos, elementos relevantes na agenda de governança corporativa. Na maioria dos países, o conselho de administração tem o poder de determinar a política de remuneração da companhia e definir a remuneração a ser percebida por cada executivo. Geralmente, um comitê de remuneração é constituído com a função de elaborar e implementar um programa de remuneração para garantir o alcance das metas estratégicas e dos negócios da companhia.
No Brasil, a remuneração e os benefícios da diretoria e do conselho de administração são fixados pela assembleia geral, conforme artigo 152 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976). Seguindo recomendação do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)[1], várias companhias abertas já adotam os comitês de remuneração. Ademais, o Novo Mercado, criado em 2000, que, resumidamente, compõe-se de uma listagem de empresas que contam com um altíssimo padrão de transparência e governança, exige a divulgação do valor da maior, menor e o valor médio da remuneração do conselho de administração, da diretoria e do conselho fiscal[2], assegurando que haja a comunicação de tais fatos para o mercado.
Uma tendência que se iniciou no Reino Unido em 2002, e já se observa em outros países, como Estados Unidos, Suíça, Noruega, Espanha e França, é a possibilidade de os acionistas participarem da decisão sobre a política de remuneração, conhecida como “say-on-pay”, promovendo uma maior transparência e viabilizando um maior ativismo político[3].
Em suma, o tema da remuneração veio à tona uma vez que investidores estão buscando uma maior correlação entre a política de remuneração e os objetivos da companhia de médio a longo prazo, de forma a motivar os executivos a alinharem seus interesses com os da companhia e dos acionistas. Vale ressaltar, ainda, que a divulgação detalhada das informações sobre os componentes da remuneração, as métricas e justificativas para os pagamentos têm ganhado extrema importância.
- Transparência
Nessa toada, a expectativa de investidores, consumidores, empregados, imprensa e acionistas em geral é a de que as companhias ofereçam, progressivamente, informações claras, tempestivas e de forma mais acessível, não se limitando àquelas obrigatórias por lei ou regulamento. Assim, é imperativo garantir que as companhias e suas principais lideranças não estejam filtrando ou exercendo algum tipo de censura nas informações a serem divulgadas.
As companhias passaram, também, a ter o papel de monitorar, ativamente, as plataformas sociais e reagirem, com eficácia, na mesma velocidade com que uma história falsa, em muitos casos, pode se tornar viral. O engajamento nas mídias sociais evoluiu a um ponto que se tornou essencial no mercado competitivo.
A transparência, no Brasil, é tratada como um dos principais pilares da governança corporativa[4]. Em janeiro de 2018, o Regulamento do Novo Mercado implementou regras adicionais, visando ampliar a transparência e rigidez do segmento, como a divulgação de informações sobre renúncia de administradores e reorganização societária, além da imposição da presença de órgãos de fiscalização. O objetivo é agregar mais valor às companhias e gerar uma maior credibilidade ao mercado[5].
- Gestão de Riscos
Nos últimos anos, os investidores começaram a se preocupar mais com temas ambientais e sociais, trazendo tais questões para o foco da governança corporativa e da estratégia das companhias.
Há, atualmente, um conjunto de padrões e estratégias de investimento – denominado em inglês ESG (Environmental, Social and Governance) – que os investidores consideram na tomada de decisão, juntamente com suas análises econômico financeiras, para rastrear e mensurar o impacto de suas potenciais aplicações. A adoção de práticas de ESG abrange uma série de atitudes e práticas, tais como o engajamento da empresa com questões ambientais, o relacionamento com funcionários, fornecedores, clientes e a comunidade na qual está inserida, e a governança corporativa como um todo, englobando temas já citados nesse texto como remuneração e transparência[6], demonstrando como o mercado está se atualizando e tratando essas novas concepções de forma mais cuidadosa.
Globalmente, grandes fundos de pensão têm investido em companhias com o perfil ESG. Segundo o Principles for Responsible Investing (PRI), em 2019, o total de ativos geridos pelos seus signatários atingiu US$ 86 milhões, o dobro de cinco anos atrás[7]. No Brasil, a Resolução nº 4.661, do Conselho Monetário Nacional (CMN), passou a prever que entidades fechadas de previdência privada (EFPC) considerem, nas suas políticas de investimentos e em seu processo de análise de riscos, aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança[8].
Daqui para frente, os conselhos de administração precisarão integrar em suas discussões questões envolvendo ESG a fim de auxiliar a administração na identificação de prioridades para maior atratividade de capital e na avaliação de seus riscos. Para tanto, ações positivas abrangendo ESG devem ser monitoradas de perto pelos conselhos de administração das companhias, que precisam aliar modernidade e eficiência na identificação de tais crescentes prioridades do mercado com o apetite dos investidores.
- Cybersecurity
Há uma crescente preocupação global com o tema cybersecurity, inclusive como resultado de recentes ataques cibernéticos. Mas a supervisão de assuntos envolvendo segurança cibernética pode ser um desafio para as companhias, porque muitos membros do conselho de administração podem não entender completamente o tamanho e a complexidade do problema.
No Brasil, esses cuidados já são realidade para a maioria das empresas dos mercados financeiro e de capitais. Segundo um relatório divulgado pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), 85% das instituições associadas já contam com um programa formal de cybersecurity, que inclui identificação e avaliação de riscos; ações de prevenção e proteção; ações de monitoramento e testes; medidas relacionadas ao plano de resposta; e ações de reciclagem e revisão[9], o que reflete um avanço significativo na maneira com a qual as empresas cuidam do assunto.
As ameaças podem resultar em perda de receita e dados confidenciais, danos à reputação da companhia, perda de clientes, interrupção de operações, ameaças à segurança, entre outros. Um dado impressionante do Data Breach Investigations Report mostra que em 2017 houve 53 mil incidentes cibernéticos[10].
Portanto, o assunto deve continuar a ser tratado como um risco corporativo relevante dentro da companhia, com envolvimento de todos os colaboradores e, principalmente, do conselho de administração, o que inclui desde a compreensão dos riscos cibernéticos inerentes ao negócio, até treinamentos contínuos sobre novas tecnologias, simulações periódicas sobre crises cibernéticas e desenvolvimento de uma política de cybersecurity.
[1] Disponível em https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/21138/Publicacao-IBGCCodigo-CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf
[2] Disponível em http://www.b3.com.br/data/files/90/C7/82/50/B2272610D290A226790D8AA8/Regulamento_do_Novo_Mercado_pos_errata__com_marcas_.pdf. Acesso em 09 de julho de 2019.
[3] Comparative corporate governance, Legal perspectives, V. Magnier, Edward Elgar ed. 2017.
[4] Fonte: https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/21138/Publicacao-IBGCCodigo-CodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf. Acesso em 11 de julho de 2019.
[5] Fonte: http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/listagem/acoes/segmentos-de-listagem/novo-mercado/. Acesso em 09 de julho de 2019.
[6] Fonte: https://marketbusinessnews.com/financial-glossary/esg-definition-meaning/. Acesso em 11 de julho de 2019.
[7] Fonte https://www.valor.com.br/financas/6362309/investimento-responsavel-ganha-adeptos. Acesso em 24 de julho de 2019.
[8] Disponível em https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50598/Res_4661_v1_O.pdf. Acesso em 23 de julho de 2019.
[9] Fonte: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/ciberseguranca.htm. Acesso em 10 de julho de 2019.
[10] Fonte: https://www.ibgc.org.br/blog/audiencia-publica-ciberseguranca. Acesso em 22 de julho de 2019.