O Código de Governança Corporativa do Reino Unido define governança corporativa como “o sistema pelo qual as empresas são dirigidas e controladas”. Trata-se de um mecanismo para a criação de um ambiente de confiança, transparência e integridade dos negócios, garantindo o desenvolvimento do mercado de capitais e o acesso corporativo a capitais produtivos de longo prazo. A qualidade do quadro de governança corporativa de um país é, portanto, de suma importância para a dinâmica e a competitividade de seu setor de negócios[1].
Neste contexto, tendo como ponto de partida o ativismo dos acionistas e abusos em transações hostis de aquisição, o debate acerca do papel do conselho de administração tem crescido, bem como sua eficácia no direcionamento estratégico das empresas e no mapeamento e gerenciamento de riscos aos quais a companhia está exposta. Na maioria das jurisdições, tal órgão funciona como fórum central de governança, detendo o poder de tomar decisões críticas, tais como as de (i) estabelecer políticas gerais e direção estratégica; (ii) moldar a estrutura da empresa para prestação de contas, controle e risco da gestão; e (iii) nomear, supervisionar e substituir os principais dirigentes, incluindo o diretor presidente.
Diante desse cenário em que o papel do conselho de administração está sob maior escrutínio e os conselheiros têm sido demandados a adotar uma postura mais proativa na compreensão dos principais riscos da empresa, é fundamental entender e discutir as tendências globais relativas à estrutura e à composição do conselho de administração. É o que abordaremos nesse artigo.
- Estrutura e Composição do Conselho de Administração
A estrutura e a composição do conselho de administração geralmente são reguladas – para além das disposições legais e estatutárias – por códigos de governança e melhores práticas.
Na maioria das jurisdições do mundo, as empresas têm uma estrutura de única camada em que o conselho acumula as funções de gestão e de supervisão. Na Alemanha, Bélgica, França e Japão, os conselhos de administração são estruturados em duas camadas, a de gestão e a de supervisão. As considerações deste artigo concentram-se, principalmente, no sistema de uma camada – que é o vigente no Brasil.
A necessidade de fortalecimento do papel de supervisão e monitoramento do conselho de administração levou a três importantes desenvolvimentos na estrutura e composição do referido órgão: (i) clara separação entre as funções de presidente do conselho de administração e diretor presidente (também conhecido como CEO); (ii) estabelecimento de maior proporção de conselheiros independentes no próprio conselho; e (iii) definição do papel e das responsabilidades de comitês específicos. Ainda, dois tópicos adicionais quanto à estrutura e à composição dos conselhos de administração têm merecido destaque: (iv) diversidade; e (v) estabelecimento de mecanismos de avaliação de performance do conselho.
Exploraremos, a seguir, cada uma dessas tendências.
- Da Separação de Funções entre o Diretor Presidente e Diretor do Conselho de Administração
Em linhas gerais, tem-se entendido que compete ao diretor presidente gerenciar a empresa, enquanto que, ao presidente do conselho de administração, incumbe a tarefa de liderar o conselho de administração e supervisionar a diretoria (incluindo o diretor presidente) em nome de todos acionistas. Assim, não há que se discutir que o acúmulo de funções de diretor presidente e presidente do conselho em uma mesma pessoa gera inevitável conflito de interesses na avaliação da performance da diretoria.
Isso é tanto verdade que, na maioria das jurisdições, os códigos de governança exigem uma separação clara entre as funções de presidente do conselho e diretor presidente. Com base na teoria da agência, argumenta-se que a separação das funções de presidente do conselho e diretor presidente aumenta a independência do conselho, levando a um melhor monitoramento e supervisão da diretoria[2].
- Conselheiros Independentes
A segunda tendência tem sido a exigência de uma certa proporção de membros independentes nos conselhos de administração. Embora essa demanda tenha sido difundida na maioria das jurisdições, o conceito de “conselheiro independente” não foi claramente definido e sua implementação teve um sucesso irregular em todos os sistemas de governança[3].
Ainda que a contribuição de conselheiros independentes tenha sido reconhecida globalmente, é importante entender que aludida independência deve ser avaliada no contexto de como os processos, decisões e governança geral do conselho são afetados.
Em outras palavras: independência garante qualidade? O pensamento corrente é de que a independência, por si só, não garante a eficácia do conselho, de modo que deveria ser acompanhada por habilidades, conhecimento e experiência para obtenção de resultados satisfatórios dentro do conselho[4]. Recomenda-se, assim, que os investidores e outras partes interessadas sejam continuamente informados sobre o processo de seleção dos membros independentes do conselho, suas habilidades e o valor que agregam ao órgão.
- A Função dos Comitês Específicos
Desde o início de 2000, os códigos de governança (incluindo os Princípios de Governança Corporativa da OCDE[5]) e os regulamentos de listagem em bolsas de valores da maioria dos países exigem o estabelecimento de três comitês de assessoramento aos conselhos de administração de empresas de capital aberto, cada um deles composto por uma maioria de conselheiros independentes. São eles: (i) o comitê de auditoria, cuja função é a de revisar a exatidão e a transparência do relatório financeiro e dos controles internos; (ii) o comitê de remuneração, que revisa e recomenda a política de remuneração, incluindo a do diretor presidente, entre outros temas relevantes; e (iii) o comitê de governança, que está envolvido no processo de nomeação de diretores, programas de integração e planejamento de sucessão do diretor presidente. Muitas empresas, especialmente no setor de serviços financeiros, também possuem comitês de ética e risco.
Os comitês do conselho têm a vantagem de aprofundar-se de modo mais eficiente em uma gama maior de problemas, desenvolvendo expertise em áreas como compliance, monitoramento de riscos e relatórios financeiros e de auditoria. Como os membros dos comitês se reúnem em grupos menores, os comitês do conselho aumentam, via de regra, a objetividade e a independência do julgamento do conselho.
Embora os comitês do conselho garantam um monitoramento mais aprofundado de temas relevantes e uma maior eficiência na distribuição de tarefas e na prestação de contas, eles podem diluir a integridade da governança na medida em que possam fragmentar o conselho, diminuindo o poder deste órgão sobre o diretor presidente e a diretoria. Por isso, deve-se, continuamente, garantir que os comitês do conselho tenham um papel claro e interajam com o restante do conselho de administração e o diretor presidente.
- Diversidade nos Conselhos de Administração
A diversidade de gênero, raça e etnia na composição do conselho de administração também tem sido amplamente discutida e incentivada por entidades reguladoras[6], grupos de governança corporativa e investidores.
Em 2016, Mary Jo White, então presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), em palestra em uma conferência internacional de governança corporativa, citou pesquisas mostrando que “conselhos com diversidade dos membros funcionam melhor e estão correlacionados com melhor desempenho da empresa” e afirmou que “grandes esforços estão em andamento nos Estados Unidos e em outros países para melhorar a diversidade do conselho[7]”. Além disso, no mesmo ano, a Business Roundtable publicou os Princípios de Governança Corporativa que afirmavam que a diversidade nos conselhos corporativos “fortalece o desempenho do conselho e promove a criação de valor para o acionista de longo prazo”[8]. Investidores também estão preocupados em garantir que o processo de indicação de conselheiros esteja alinhado com políticas que garantam a diversidade. No início de 2017, a State Street Global Advisors, um dos maiores gestores de ativos do mundo, publicou orientações sobre como melhorar a diversidade de gêneros nos conselhos de administração, entendendo-a como “uma das muitas maneiras pelas quais um conselho pode introduzir um conjunto variado de habilidades e conhecimentos entre seus conselheiros para melhorar o desempenho financeiro”. Na mesma linha, no início de fevereiro de 2018, a BlackRock atualizou suas diretrizes de voto para declarar que, agora, espera ver pelo menos duas mulheres no conselho de cada empresa listada. De fato, essas ações dos investidores fizeram a diferença nos Estados Unidos: pela primeira vez, mulheres e minorias representaram metade dos 397 mais novos diretores independentes das empresas S&P 500. Vale ressaltar, ainda, que muitos estudos e pesquisas realizados em vários países apresentam evidências de que a participação de mulheres em cargos de liderança corporativa pode melhorar o desempenho das empresas.[9] Denota-se, assim, uma tendência ao aumento de diversidade nos conselhos de administração, o que, além da diversidade de gênero, raça e etnia, também deve promover, a longo prazo, o incremento de habilidades, características, opiniões, qualificações e experiências entre os membros do conselho de administração.
- Avaliação dos Conselhos de Administração
Até recentemente, uma minoria de conselhos de administração realizava autoavaliações anuais com o objetivo de avaliar se o conselho está desempenhando adequadamente seu trabalho de monitoramento e supervisão. Essa tendência mudou. Avaliações anuais para conselhos e seus comitês têm sido mais frequentes e desempenhado um papel cada vez mais importante na melhoria da eficácia do conselho. Os padrões de avaliação têm sido desenvolvidos pelos próprios conselhos de administração das empresas, incluindo considerações sobre sua composição e estrutura e diversidade de perspectivas, entre outros tópicos. E, quando bem executadas, as avaliações podem melhorar os processos, gerar maior responsabilidade e aumentar a confiança no conselho. Investidores vêm exigindo divulgações mais robustas sobre os processos de avaliação do conselho e, em alguns casos, os resultados dessas avaliações. Muitos códigos de governança geralmente recomendam o uso de um facilitador externo, a cada três anos, para evitar preconceitos e políticas internas no conselho, embora algumas empresas prefiram que tal revisão seja realizada anualmente[10]. Ao conduzir suas avaliações, os conselhos devem pensar cuidadosamente sobre uma variedade de abordagens e ferramentas para ajudá-los a divulgar os relatórios ao mercado e a potenciais investidores. Isso pode ser feito de várias maneiras, inclusive através das informações prestadas anualmente e/ou na seção de informações sobre governança ou relações com investidor no site corporativo da empresa.
[1] Disponível em https://www.oecd.org/daf/ca/Corporate-Governance-Factbook.pdf
[2] Vide Separation of Chair and CEO Roles. 1 de setembro de 2011. Disponível em https://corpgov.law.harvard.edu/2011/09/01/separation-of-chair-and-ceo-roles/
[3] Comparative corporate governance, Legal perspectives, V. Magnier, Edward Elgar ed. 2017.
[4] Disponível em https://corpgov.law.harvard.edu/2018/03/05/key-governance-issues-ways-for-the-future/
[5] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
[6] Alguns países implementaram quotas – sendo a Noruega o país líder nessa frente – para aumentar mais rapidamente a porcentagem de mulheres nos conselhos de administração. A França, a Espanha, a Noruega e a Islândia geralmente exigem que as empresas públicas tenham pelo menos 40% de representação feminina no conselho. Existe um sistema de quotas semelhante na Itália (1/3), na Alemanha (30%), na Holanda (30%, não obrigatória) e em outros países. Os Estados Unidos e o Reino Unido seguem a abordagem de divulgação, segundo a qual as empresas são obrigadas a divulgar informações sobre diversidade aos investidores para fins de avaliação.
[7] Disponível em https://www.sec.gov/news/speech/chair-white-icgn-speech.html
[8] Disponível em https://businessroundtable.org/sites/default/files/Principles-of-Corporate-Governance-2016.pdf
[9] Vide McKinsey & Co., Diversity Matters (Abril 2015), disponível em http://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/why-diversity-matters ; Deborah L. Rhode and Amanda K. Packel, Diversity on Corporate Boards: How Much Difference Does Difference Make, 39 Del. J. Corp. L., 2 (2014); Report of the National Association of Corporate Directors Blue Ribbon Commission, The Diverse Board: Moving From Interest to Action (National Association of Corporate Directors, 2012).
[10] Disponível em https://corpgov.law.harvard.edu/2016/06/06/getting-the-most-from-the-evaluation-process/