Nova regra disciplina o processo de normatização da CVM

A CVM editou, em 19 de março de 2019, a Portaria CVM/PTE 48/2019, que passa a disciplinar o processo de normatização da autarquia. Essa norma é mais um resultado do Projeto Estratégico de Redução dos Custos de Observância Regulatória, iniciado em novembro de 2017, pela CVM, e traz como principal novidade a introdução da Análise de Impacto Regulatório (“AIR”) no processo de normatização.

A AIR tem por objetivo identificar a falha de mercado que se pretende corrigir com uma nova norma, bem como os efeitos que dela decorrerão caso venha a entrar em vigor. Esses efeitos deverão ser avaliados em uma matriz de custos e benefícios econômicos e qualitativos, cujo modelo está anexado à referida Portaria. Por exemplo, previamente à criação de norma que gere obrigações para um de seus regulados, a CVM deverá realizar a AIR, e caso conclua que os custos decorrentes da norma são maiores do que os benefícios, o processo normativo poderá ser interrompido, de modo que alternativas mais eficazes para se corrigir a falha de mercado poderão ser buscadas.

A AIR é adotada em países como EUA[1], Canadá[2] e Reino Unido[3] desde a década de 1980, e tem sido aprimorada desde então. A sua adoção é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desde 1995 [4]. No Brasil, também já há exemplos de iniciativas nesse sentido. O Tribunal de Contas da União, por meio do acórdão nº 2.261/11, estabeleceu critérios de governança e boas práticas para sete agências reguladoras (ANEEL, ANP, ANATEL, ANTT, ANTAQ, ANAC e ANA), dentre eles, a adoção da AIR. O Comitê Interministerial de Governança, em manual publicado em junho de 2018[5], assinado por tais agências reguladoras, passou a tratar o AIR como fundamental nos estágios iniciais do processo regulatório.

No âmbito da CVM, a AIR deverá ser conduzida ainda antes da fase de pré-audiência pública e incluirá, dentre outros, os seguintes elementos essenciais: “mapeamento dos padrões de referência internacionais sobre o assunto[6] e “análise de impacto, com descrição de cenários e recomendações de solução regulatória[7]. Após apreciação e aprovação, os estudos de AIR serão divulgados publicamente. Certos casos especificados na norma estão dispensados de AIR, como os que busquem consolidar normas sem alteração de mérito, ou que possuam baixo impacto, voltados a situações específicas e pontuais[8].

Há duas outras novidades da nova norma, na fase de pré-audiência pública, que merecem ser destacadas. A primeira delas se refere à possibilidade de se realizar uma audiência pública de conceito. Assim, antes de submeter a minuta de uma norma ao público, a CVM poderá optar por ouvir o mercado acerca do conceito ou da ideia que precede essa norma[9].

A segunda novidade permite a criação de um ambiente regulatório experimental, no qual se poderá editar normas de caráter temporário. Após se avaliar os efeitos dessas normas, poderá ser elaborada regulamentação definitiva, a qual deverá observar o procedimento normativo ordinário tratado na Portaria.

Nos últimos anos, a Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM), principal responsável pelo processo normativo da CVM, vem conduzindo suas atividades com profundidade técnica e diálogo aberto e constante com os participantes de mercado. A Portaria CVM/PTE 48/2019, ao agregar estudos de impacto e outras ferramentas ao processo normativo, pode contribuir sensivelmente para um desenvolvimento regulatório ainda mais eficaz.

[1] Atualmente, regido pelas Executive Orders Nºs 13.497, de 30 de janeiro de 2009 e 12.866, de 30 de setembro de 1993, emitidas pelo Presidente dos Estados Unidos da América: https://www.govinfo.gov/content/pkg/FR-2009-02-04/pdf/E9-2486.pdf e  https://www.archives.gov/files/federal-register/executive-orders/pdf/12866.pdf

[2] Para histórico da AIR no Canadá, ver TREASURY BOARD OF CANADA, Regulatory Reform Through Regulatory Impact Analysis: The Canadian Experience, Evaluation, Audit and Review Group. Managing Better – Number 14, 1997

[3] Cf. UNITED KINGDOM, Lifting the Burden. White Paper, July 1985. Disponível em http://hansard.millbanksystems.com/lords/1985/jul/16/lifting-the-burden-white-paper

[4] https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0278

[5] http://www.casacivil.gov.br/central-de-conteudos/downloads/diretrizes-gerais-e-guia-orientativo_final_27-09-2018.pdf

[6] Artigo 10, III, da Portaria.

[7] Artigo 10, IV, da Portaria.

[8] Artigo 6º da Portaria.

[9] Artigo 13, II, da Portaria.

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