Em dezembro de 2018, foi sancionada a Lei nº 13.775/18, que dispõe sobre a emissão de duplicatas sob a forma escritural. Essa lei, que entra em vigor a partir de abril de 2019, deve ser compreendida no contexto de uma série de outras leis e normas emitidas a partir 2011, as quais, em conjunto, têm o potencial de impulsionar o desenvolvimento do mercado de crédito relacionado às duplicatas, uma das fontes de financiamento mais relevantes para pequenas e médias empresas no Brasil.
Primeiramente, a Lei nº 12.543/11, com as alterações de 2013 e 2017, estabeleceu que a oneração de ativos financeiros e valores mobiliários objeto de depósito centralizado[1] e registro[2], para que tenham efeito perante terceiros, devem ocorrer exclusivamente nos respectivos depositários centrais e entidades registradoras, o que afastou a obrigatoriedade de registro em cartório de registro de títulos e documentos (RTD). Além disso, a Lei nº 13.476/17 atribuiu ao CMN a competência para definir o conceito de ativos financeiros passíveis de registro e depósito centralizado.
A Resolução nº 4.593/17, do CMN, editada em seguida, definiu como ativos financeiros para fins de registro e depósito centralizado, entre outros, os títulos objeto de desconto em operações de crédito por instituições financeiras (o que pode incluir, por exemplo, as duplicatas). Com isso, passou a ser possível a utilização de duplicatas como garantia de operações financeiras por meio do registro desses títulos de crédito e/ou das respectivas operações em entidades registradoras.
Por fim, a Lei nº 13.775/18, ao permitir de forma expressa a emissão das duplicatas sob a forma escritural, afastou por completo o possível entendimento de que as duplicatas teriam de ser impressas e assinadas em papel[3] para que fossem consideradas títulos de crédito validamente emitidos, passíveis de protesto e execução judicial.
A redução do custo cartorial, a possibilidade de caracterização da duplicata como ativo financeiro, a segurança jurídica em relação à emissão de duplicatas escriturais e a possibilidade de registrá-las em entidades registradoras reguladas pelo Banco Central do Brasil, dentre outras mudanças, são avanços normativos que, juntamente com novas tecnologias que vêm sendo desenvolvidas, podem levar a uma alteração estrutural no mercado de crédito de duplicatas.
Atualmente, os métodos para verificação da existência das duplicatas e das características nelas mencionadas ainda são manuais, custosos e, muitas vezes, pouco eficientes, o que acaba por elevar o custo de captação das empresas que se utilizam de duplicatas para se financiar.
Diante desse novo arcabouço regulatório, existe o potencial de desenvolvimento de um mercado mais eficiente, no qual os custos de verificação da existência das duplicatas e de transferência desses ativos seriam reduzidos de forma significativa. A materialização desse cenário teria, como provável consequência, a redução do custo de capital para milhares de empresas que se financiam ou que podem se financiar por meio da venda ou do oferecimento de duplicatas como garantia de operações de crédito.
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[1] No depósito, ocorre a “imobilização” dos ativos financeiros e valores mobiliários, por meio da transferência da sua titularidade fiduciária aos depositários centrais. A atividade de depósito centralizado de ativos financeiros, inclusive no que se refere à constituição de ônus e gravames, está regulamentada pelo BACEN no anexo à Circular nº 3.743/15.
[2] O registro é uma atividade mais simples e, em tese, menos custosa do que o depósito centralizado, o que torna mais viável a sua utilização em operações envolvendo ativos de menor valor e maior pulverização, como as duplicatas. O registro compreende a escrituração, o armazenamento e a publicidade de informações referentes aos ativos registrados e às transações financeiras a eles relacionadas. A atividade de registro de ativos financeiros também é regida pela Circular nº 3.743/15.
[3] Embora parte da jurisprudência já admitisse o protesto e a execução judicial de duplicatas eletrônicas e de boletos bancários que espelhassem duplicatas, o princípio geral da cartularidade aplicável aos títulos de crédito era regularmente entendido como aplicável às duplicatas, nos termos da Lei nº 5.474/68 e do artigo 887 do Código Civil Brasileiro.