No último dia 25 de setembro, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM editou o Parecer de Orientação nº 38, que trata dos deveres fiduciários dos administradores no âmbito dos contratos de indenidade celebrados com companhias abertas[1].
Os contratos de indenidade são instrumentos celebrados entre a companhia e seus administradores[2] para fins de garantir o pagamento, o reembolso ou o adiantamento de recursos para fazer frente a determinadas despesas destes últimos, relacionadas a processos arbitrais, judiciais ou administrativos que envolvam atos praticados no exercício de suas atribuições ou poderes. Trata-se de instrumento semelhante ao seguro de responsabilidade civil, o D&O, com a principal diferença de que, no caso do contrato de indenidade, a própria companhia é a responsável por arcar com toda ou parte da indenização a ser paga aos administradores.
Os contratos de indenidade trazem, em si, uma outra importante peculiaridade em comparação ao seguro D&O: o fato de que seus beneficiários, os administradores, são também as mesmas pessoas com poderes para definir seus termos e condições e tomar decisões relativas a desembolso das indenizações – existindo, portanto, importante conflito de interesses no âmbito de contratação e funcionamento desses instrumentos.
Nesse contexto, o Parecer de Orientação tem como finalidade principal estabelecer parâmetros que possam assegurar o cumprimento dos deveres fiduciários dos administradores perante a companhia e seus acionistas no âmbito desses contratos.
De forma geral, o Parecer de Orientação procura atingir tal finalidade com duas abordagens principais. De um lado, (i) estabelece determinadas hipóteses expressas e objetivas em que o pagamento de indenização ao administrador não seria permitido e, de outro, (ii) recomenda a adoção de determinadas regras e procedimentos formais que mitiguem os riscos de conflito de interesses no momento de contratação e durante o funcionamento desses instrumentos.
Com relação à primeira abordagem, a CVM entende que não devem ser cobertos por indenização atos que tenham sido praticados pelos administradores (i) fora do exercício de suas atribuições; (ii) com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; e (iii) em interesse próprio ou de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia. De acordo com a CVM, nessa última categoria, incluem-se também as indenizações devidas em decorrência de ação de responsabilização proposta pela própria companhia contra os administradores, bem como em razão da celebração de termos de compromissos perante a CVM.
A CVM também recomenda que determinadas precauções sejam tomadas pela companhia para que se evite o conflito de interesses no momento de contratação dos instrumentos de indenidade. Para tanto, sugere que haja envolvimento dos acionistas na decisão dessa contratação. Tal envolvimento poderia ser feito, por exemplo, por meio de inclusão de disposição estatutária que autorize a companhia a indenizar seus administradores, ou da submissão dos termos e condições gerais da minuta do contrato à assembleia geral de acionistas. Além disso, a CVM propõe uma lista de informações mínimas a serem divulgadas pela companhia em relação aos contratos de indenidade – tais como valor-limite da indenização, período de cobertura e tipos de despesas cobertas.
A autarquia afirma que os instrumentos de indenidade devem prever regras claras e objetivas sobre o órgão da companhia que será responsável por avaliar se o ato do administrador se enquadra em alguma das hipóteses de exclusão de coberturas, conforme mencionadas acima, bem como os procedimentos que serão adotados para afastar desse processo de avaliação os próprios administradores que seriam beneficiados com a concessão de tal indenização.
Além disso, o Parecer de Orientação prevê que as decisões que autorizarem o dispêndio de recursos com base no contrato de indenidade devem considerar a razoabilidade dos valores envolvidos, assim como todas as informações necessárias e disponíveis no momento para avaliar a adequação da concessão de indenização. Os administradores devem se assegurar de que a companhia adotou procedimentos apropriados para garantir a adequada formalização do processo decisório, incluindo os motivos pelos quais se entendeu que o ato do administrador era passível de cobertura. Em determinadas situações, a CVM entende, inclusive, que procedimentos adicionais de governança seriam recomendáveis[3].
Para fins da celebração de um contrato de indenidade, a CVM considera desejável que este seja respaldado por prévio parecer circunstanciado elaborado pela diretoria e aprovado pelo conselho de administração da companhia.
E recomenda, ainda, que, depois de assinados, os contratos de indenidade, seus aditivos e eventuais outros documentos que também reflitam os termos e condições aplicáveis ao regime de indenidade – como atas – sejam encaminhados, em até 7 (sete) dias úteis a contar da data de sua assinatura, ao sistema eletrônico disponível na página da CVM na rede mundial de computadores[4].
A segurança conferida por mecanismos de indenização é importante aos administradores, em especial em vista das recentes alterações legislativas que elevaram substancialmente penas e multas nos processos de fiscalização e punição de atos ilícitos no âmbito empresarial. Considerando que é um mecanismo mais barato em comparação com um seguro D&O, é importante que haja ao menos parâmetros e indicações de melhores práticas para a celebração deste contrato, com vistas a evitar a atuação dos administradores em conflito de interesse, conforme as recomendações ora indicadas pela CVM.
[1] As recomendações refletidas no Parecer são aplicáveis a quaisquer outros instrumentos que tenham entre suas disposições termos e condições característicos dos contratos de indenidade, como por exemplo estatutos sociais, regimentos internos ou políticas da companhia sobre a disciplina.
[2] Além dos administradores da companhia, os membros de comitês estatutários aos quais se apliquem os mesmos deveres e responsabilidades dos administradores, nos termos do artigo 160 da Lei das Sociedades Anônimas, bem como quaisquer outros ocupantes de cargo ou função na companhia, poderão celebrar contratos de indenidade com a sociedade em que atuam.
[3] Além de outros casos em que a companhia julgue pertinente, a CVM entende que procedimentos adicionais de governança que reforcem a independência das decisões, bem como sua orientação no interesse da companhia – como o encaminhamento para deliberação em assembleia geral –, devem ser considerados nas situações em que: (i) mais da metade dos administradores sejam beneficiários diretos da deliberação sobre o dispêndio de recursos; (ii) houver divergência de entendimento sobre o enquadramento do ato do administrador como passível de indenização; ou (iii) a exposição financeira da companhia se mostre significativa, considerando os valores envolvidos.
[4] A CVM esclarece que, enquanto não houver disposição específica na regulamentação, as companhias devem disponibilizar tais documentos e informações em conformidade com a orientação ser expedida pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP). A CVM informa, ainda, que já foi criada a categoria “Contratos de Indenidade”, no Módulo IPE do Sistema Empresas.NET, para o envio dos referidos contratos.