Após mais de 13 anos desde sua criação pela Lei nº 11.076/04, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) agora dispõem de um marco regulatório próprio: a Instrução CVM nº 600/18. Dentre as novidades da norma, destaca-se o conceito de “direito creditório do agronegócio”, que consolida manifestações do Colegiado da CVM sobre o tema[1], e adiciona alguns elementos trazidos ao longo do processo de audiência pública.
Segundo a Lei nº 11.076/04, os direitos creditórios do agronegócio seriam aqueles “originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros, inclusive financiamentos ou empréstimos, relacionados com a produção, a comercialização, o beneficiamento ou a industrialização de produtos ou insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na atividade agropecuária”[2].
O entendimento sobre o alcance do termo “produtor rural” e do trecho “originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros” tem sido objeto de controvérsias desde a promulgação da Lei.
A nova norma não definiu o que seria “produtor rural”. Ao ser questionada no processo de audiência pública, a CVM reiterou considerar aplicável o conceito do artigo 165 da Instrução Normativa da RFB nº 971/09[3]. Esclareceu, também, que aquele que beneficia ou industrializa produção rural própria continua sendo produtor rural, ao passo que o desempenho dessas mesmas atividades por terceiro não permitiria esse enquadramento.
Já sobre o trecho “originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros”, os nove parágrafos do artigo 3º da nova norma buscam estabelecer os limites de sua extensão.
Como a redação da Lei nº 11.076/04 não permite interpretação extensiva, a CVM entende não ser possível caracterizar os distribuidores ou outros agentes da cadeia do agronegócio como produtores rurais. Não obstante, foi incluída, no art. 3º, §5º, da nova norma, permissão para que operações realizadas entre distribuidores e terceiros (tais como os produtores de insumos) sejam lastro de CRA, desde que haja comprovada vinculação entre a operação e uma prévia e formalizada relação entre o distribuidor e um produtor rural.
O conceito de direitos creditórios classificados como do agronegócio por sua destinação foi contemplado pelo art. 3º, §4º da nova norma. O inciso II do referido parágrafo 4º reflete a decisão do Caso Burger King, trazendo previsão expressa de que títulos de dívida, ainda que emitidos por terceiro que não seja produtor rural, são aptos a lastrear emissões de CRA. Há, porém, a obrigação de se comprovar a existência de prévia relação comercial entre o emissor e produtores rurais, bem como a destinação dos recursos captados a estes[4].
Há alguns outros dispositivos na nova norma, além de esclarecimentos da CVM no processo de audiência pública, que esmiúçam o conceito de “direito creditório do agronegócio”. A segurança jurídica decorrente dessa normatização deve contribuir positivamente para o desenvolvimento do mercado de CRA.
[1] Em especial a decisão do Colegiado da CVM de agosto de 2016, no âmbito da oferta de CRA envolvendo os restaurantes Burger King (“Caso Burger King”), e a de novembro de 2017, relacionada à oferta de CRA envolvendo a produtora de sementes e agroquímicos Syngenta (“Caso Syngenta”).
[2] Artigo 23, § 1º.
[3] “[Considera-se produtor rural] a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que desenvolve, em área urbana ou rural, atividade agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos”. Esse posicionamento já havia sido manifestado pelo Colegiado no Caso Burger King.
[4] Conforme art. 3º, §§ 7º e 8º, da Instrução CVM nº 600/18.