Em fevereiro deste ano, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu uma liminar que havia sido concedida em 2016 pela 14ª Vara Cível de São Paulo, e que proibira determinado grupo econômico de adquirir empresas do mercado de autopeças.
A ação, proposta por uma montadora de automóveis, trata de suposta prática de atos anti-concorrenciais cometidos por referido grupo econômico ao adquirir fornecedores estratégicos à montadora. Ao controlar diversos fornecedores, as empresas rés estariam exigindo o aumento arbitrário dos preços e proibindo a montadora de desenvolver fornecedores alternativos concorrentes, sob a ameaça de ter o fornecimento de produtos interrompido pelas rés.
A decisão de primeiro grau acolheu, liminarmente, o pedido da montadora. Sem aguardar manifestação do lado contrário, concluiu que as provas trazidas aos autos eram suficientes a demonstrar a prática de atos lesivos à ordem econômica e ordenou às empresas rés que se abstivessem de realizar a aquisição em série de fornecedores estratégicos da cadeia automotiva da montadora.
O grupo econômico recorreu da decisão ainda em 2016 e teve negado, pelo relator do caso em segundo grau, o seu pedido antecipado de suspensão dos efeitos da decisão de primeira instância. À época, o desembargador entendeu que a proibição de aquisição, se mantida até o julgamento definitivo do recurso pela turma de desembargadores, não implicaria risco de dano grave.
Em fevereiro de 2018 o caso foi então analisado pelo órgão colegiado, que decidiu em favor do fabricante de autopeças e cassou a liminar de 2016. O entendimento foi de que o deferimento da tutela antecipada em 2016 seria incompatível com a imposição de “limitações de tamanha extensão” ao exercício da atividade empresarial das empresas rés, em vista da ausência de plena observância ao contraditório e à ampla defesa em fase de liminar.
De um ponto de vista estritamente legal, embora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) seja o órgão administrativo destinado especificamente a examinar condutas anti-concorrenciais, é possível interpretar que o Judiciário teria competência para tratar dessas questões tal como o fez.
No entanto, como apontado pela turma de desembargadores, atestar a ocorrência de conduta lesiva à ordem econômica é algo complexo. Deve-se demonstrar dolo ou culpa do agente, dano, relação causal entre a conduta do agente e o dano, eventual concentração de mercado, entre eventuais outros elementos. Ou seja, provavelmente apenas uma ampla e extensa produção de provas permitiria determinar a materialização ou não de um ilícito desse tipo.
Adicione-se a isso a severidade do remédio aplicado (proibição de adquirir empresas) e seus potenciais impactos ao grupo econômico que sofreu os efeitos da decisão liminar, ou mesmo os impactos econômicos de mercado ao respectivo setor, os quais são de difícil mensuração e podendo em alguma medida ser irrecuperáveis.
Diante disso, pareceu no mínimo prudente o acórdão deferir a reversão da liminar de 2016 no contexto do caso. Agora, se deverá aguardar a palavra final do Judiciário, que deverá vir nos recursos interpostos pela autora ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Considerando o caso examinado, resta claro que existe a possibilidade de que argumentos concorrenciais sejam levantados em uma discussão meramente entre particulares no âmbito do Judiciário, e de que o Judiciário se julgue competente para decidir sobre esses temas. Com isso, cabe também aos compradores e a seus assessores jurídicos reforçar a sua atenção a aspectos concorrenciais que as aquisições que estejam levando a cabo possam implicar, em uma análise que vá além da obrigação de notificar ou não determinado ato de concentração às autoridades concorrenciais.