Em decisão de janeiro de 2018, o Colegiado da CVM, por maioria, admitiu a emissão de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) lastreados em operações de home equity, ampliando, com isso, o conceito de crédito imobiliário para fins de emissão de CRI, além de aproximá-lo daquele já utilizado para emissão de letras imobiliárias garantidas (LIG) e de letras de crédito imobiliário (LCI).
A decisão decorre de recurso interposto pela CM Capital Markets e pela Barigui Securitizadora contra exigência apresentada pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE), em pedido de registro de oferta de CRI. Os CRI eram lastreados, entre outros, por créditos originados da concessão de empréstimos por companhia hipotecária a pessoas físicas, garantidos por alienação fiduciária de imóveis (home equity). Segundo a área técnica, em linha com decisões anteriores do Colegiado, a natureza da garantia não seria suficiente para caracterizar tais créditos como imobiliários.
A Lei nº 9.514/97 não define a natureza do crédito imobiliário. Esse conceito, para fins de emissão de CRI, vem sendo construído pelo Colegiado da CVM.
Em 2013, o Colegiado indeferiu o pedido de registro de oferta de CRI com lastro em debêntures emitidas pela Rede D’Or, por considerar que o fluxo de pagamento dos CRI não teria origem na exploração ou no financiamento de imóvel. Com essa decisão, cristalizou-se o entendimento de que a natureza imobiliária estaria vinculada à origem do fluxo de pagamento dos créditos.
Mais recentemente, porém, o conceito de crédito imobiliário foi ampliado. No final de 2017, o Colegiado da CVM autorizou a oferta de CRI lastreados em debêntures da Rede D’Or, em moldes muito semelhantes aos da emissão que foi indeferida em 2013. Desse modo, além da origem, a destinação dos recursos captados para finalidade imobiliária passou a ser admitida para caracterização do crédito como imobiliário.
Na decisão do Colegiado sob análise, deu-se mais um passo na ampliação do conceito de crédito imobiliário para fins de lastro de CRI. Além da origem e da destinação dos recursos, a natureza da garantia também passou a ser suficiente para enquadrar o crédito como imobiliário, uma vez que, segundo o voto vencedor, nas operações de home equity, “o proprietário do imóvel tira proveito econômico do seu imóvel, mediante a outorga da garantia real, para obter recursos a custos reduzidos”.
Assim como os CRI, a LIG e a LCI também são títulos vinculados a créditos de natureza imobiliária. Por serem emitidas por instituições financeiras, estão sujeitas à regulação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BACEN). O rendimento e o ganho de capital decorrentes do investimento em CRI, LIG e LCI são isentos de imposto sobre a renda, quando auferidos por pessoa física.
Diferentemente da Lei nº 9.514/97, as normas do CMN e do BACEN[1] definem o conceito de crédito imobiliário para fins de emissão de LIG e de LCI. Esse conceito abarca, inclusive, os empréstimos concedidos a pessoas físicas garantidos por hipoteca ou por alienação fiduciária de imóveis residenciais. Portanto, para esses títulos, a natureza da garantia é também um elemento caracterizador do crédito como imobiliário.
O fato de a regulamentação do CMN e do BACEN, que trata de LIG e LCI, incluir expressamente os créditos originados de operações de home equity no conceito de crédito imobiliário foi um fundamento central da decisão do Colegiado. Segundo o voto vencedor, esse fato constituiu “evidência da adequação material dessa intepretação, sob o aspecto regulatório”, além de promover a coerência normativa entre os diferentes instrumentos de captação utilizados no âmbito do mercado imobiliário.
Tanto a ampliação da definição de crédito imobiliário como o esforço para harmonização desse conceito entre as diferentes normas devem ser bem recebidos pelos participantes do mercado de capitais.
[1] Resolução do CMN nº 4.598/17 e Circular do BACEN nº 3.614/12.